Aquilo que ainda não cicatrizou

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"Frente a frente, Lady desabou nos braços do meio-demônio, deixando de lado um pouco da couraça que construiu e pondo pra fora suas vulnerabilidades pra única pessoa que achou que nunca faria."

[Dante e Lady | Amor não correspondido | Drama | Bebidas alcoólicas]
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Dante brindou pelo seu errante e hedônico espírito que, acima de tudo, ansiava prazer nas mais mundanas atividades indiscriminadamente. Tendo nada mais que conjecturas como âncoras para se salvar das memórias e dúvidas que o descarrilaram de seu propósito original, não se preocupou em esconder o quão disperso se encontrava, agarrado a patética ideia de aquilo facilmente se remediaria sem sua influência e tratando de recolher os cacos de seu eu jogados pelo chão no ápice de seu humor controverso. Quanto mais a realidade o oprimia em sua prisão, mais consciente de suas falhas estava, sobretudo, por suas decisões que desviaram o rumo de pessoas vinculadas a ele. O peso das consequências implicava em mais incertezas e o dissabor da amargura que abriu uma nova ferida em seu peito há muito sobrecarregado, mais um fardo para sua coleção.

O jazz, de um dos discos originais do jukebox, repercutiu pela loja proporcionando uma nova ambientação — transformando a monotonia melancólica em uma atmosfera mais suportável quiçá agradável o suficiente para que não definhasse em sua miséria pessoal. A solidão em si era tanto uma benção quanto uma temível maldição, ao passo que se recolher na segurança e a calmaria de sua própria existência, também se condenava a recordações dolorosas, de tudo que deixou escapar e de tudo que lhe foi abruptamente arrancado dele.

Atentou-se a rosa jazida na mesa de centro, a mesma que presenteou Diva há algumas semanas, que desbotava em um vermelho fosco e que reduzira de tamanho, um retrato de como o devido zelo fazia falta para que conservasse sua beleza e frescor. Não tinha como evitar que, eventualmente, murchasse e morresse, pois nem ele mesmo se considerava um exemplo para cuidado de plantas e sequer a teria em seu escritório por questões práticas. No entanto, ali estava ela, persistindo em um combate que não venceria — não muito diferente do que ele fazia agora.

Sem sair de sua posição, sentiu a nova presença se acomodar no assento acolchoado do gasto sofá, roubando seu copo de uísque e o ingerindo sem pudor. Nesse intervalo de segundos, somente a música reproduzida no jukebox era um ponto constante e inegável, a canção agitada do repertório original da peça retrô, se repetiu pela terceira vez devido a um erro com a troca de um disco para o outro. Nenhum dos dois se incomodava com esse fato o bastante para consertar a máquina já muito castigada pelas investidas do caçador, simplesmente se resignaram a ouvir sem reclamar.

— Sua aparência está horrível. — comentou a voz familiar, tragando mais um copo da bebida. — Na verdade, o lugar todo parece um caos generalizado.

— Que bom que percebeu. Veio aqui pra julgar meu gosto decorativo ou pra me encher com novos trabalhos? — retrucou com displicência.

— Passei aqui só pra ver como estava, posso dizer que fiz bem se for avaliar seu estado atual. — respondeu, cruzando as pernas. — Está afogando um pouco as mágoas?

— Não. Apenas curtindo minha solidão até você aparecer.

Lady arqueou uma das sobrancelhas.

— Pelo jeito não é somente eu com problemas. — murmurou com um longo suspiro. — Ultimamente tudo tem acontecido depressa e sinto como se estivesse em um terreno instável sem ter onde me apoiar. É difícil ver alguma luz no fim do túnel como dizem. — ponderou com desolação.

Dante nada disse e tampouco precisou, Lady sabia bem como o meio-demônio agiria e quanto as palavras não serviriam para aplacar o mar revolto de emoções.

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