Next Reality (Part II)

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ANDANDO NO AUTOMÁTICO, IVY ESQUADRINHOU a loja apinhada de jogos e acessórios geeks dos mais variados modelos dispostos em ordem de consoles e gêneros nas prateleiras, sendo os FPS os primeiros da fileira próxima a entrada

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ANDANDO NO AUTOMÁTICO, IVY ESQUADRINHOU a loja apinhada de jogos e acessórios geeks dos mais variados modelos dispostos em ordem de consoles e gêneros nas prateleiras, sendo os FPS os primeiros da fileira próxima a entrada. Não sabia a razão exata para estar ali, seu corpo respondeu mecanicamente ao assombro e simplesmente a conduziu até aquele lugar. Seu olhar vagou para as decorações e a televisão de alta resolução que transmitia uma gameplay de Tekken, havia pôsteres de franquias famosas em algumas paredes e luzes neons no teto.

O ambiente familiar de sua adolescência não se encaixava como antes em sua vida adulta, não pôde evitar sentir que, dentro daquele espaço, era um ponto fora da curva — deslocada dessa realidade. Sua mente racional lhe assegurou que se recuasse e saísse, salvaria as aparências, entretanto, algo em seu íntimo a incentivou a prosseguir e buscar, genuinamente, saber mais do jogo estranho do seu sonho. Hipnoticamente se encaminhou para a área de figuras de personagens de alguns jogos, reconheceu o Nemesis de Resident Evil 3 e a Chun-Li de Street Fighter e a terceira peça, um vistoso e imponente colecionável de Dante, a identidade que Tony tinha em seu delírio fabricado.

Comparou, instintivamente, o aspecto do modelo de Dante com seu noivo e as singularidades que ambos possuíam: os fios relativamente longos, a face esculpida com um formato mais quadrado bem definido e inegavelmente charmoso e os olhos, que da figura congelados em deboche, tinham até o mesmo tom de azul. Resfolegou, um impulso profundo dos pulmões ao puxar bruscamente o ar, tendo uma recaída e um leve mal estar.

Tem como um personagem de jogo ser idêntico a uma pessoa?

Conhecia os recursos e motores gráficos que permitiam recriar um rosto real para dar a imagem a um personagem de jogos, mas Tony não jogava, ele não trabalhava com desenvolvimento de jogos tampouco curtia o assunto mesmo sendo um fanfarrão que explora tudo que ofereça um bom entretenimento — algo que seria basta irônico dado seu histórico.

— Precisa de ajuda? — uma das funcionárias se aproximou com o típico sorriso de atendimento ao cliente.

— Onde... Posso encontrar os jogos? — apontou para o “Dante”.

— Devil May Cry? — seus olhos se iluminaram. — Tem algum que queira ver?

Ivy piscou, saindo do transe.

— Ah... Bem... O mais recente?

— Esse é bom, inclusive temos a última da versão de colecionador. Quer ver?

Assentiu lentamente.

A atendente seguiu para o balcão, acenando para um colega, indo para uma sala longe de vista. Não demorou muito para que ela retornasse com a edição mencionada do jogo que ofertou com tanta euforia, contando o que se incluía no pacote que, para alguém interessado e um potencial comprador, se deleitaria de adquirir. Ivy escutou atentamente pensando no que faria e optou por comprar uma versão mais em conta com seu orçamento, o que não soube exatamente como explicaria esse gasto a Tony sem ele tirar uma da cara dela.

Você precisa ter cuidado com essas compras descuidadas” Imaginou ele alfinetando. “Esqueceu até mesmo do seu livro, você é uma causa perdida

Ele não entenderia.

Investigaria do seu jeito, por mais que, naquele momento, tudo soasse como uma grande loucura.

Recobrando a compostura, Ivy retomou o trajeto imersa em pensamentos e um embrulho devastando seu estômago. Detestava a maneira como suas emoções e temores descontrolados ultimamente tinham afetado seu vigor físico, obrigando-a a conviver com um martírio de náuseas nervosas.

Talvez fosse uma boa ideia, além de conversar com Paul, se consultar com ele para checar por precaução. Como médico, ele costumava aconselhar uma visita mais rotineira em uma clínica para fazer um acompanhamento, sobretudo com o casamento que se avizinhava e os possíveis surtos que algumas noivas manifestavam com a exigente agenda da cerimônia.

— Ivy? Você está bem? — resfolegou arregalando os olhos com o desligar momentâneo de atenção. Anna a mirava com preocupação, os olhos expressivos se focavam em identificar o problema que a acometia enquanto retirava as luvas de jardinagem.

Anna guiou Ivy para a residência, sem abandonar a postura solícita.

— Está muito pálida. — constatou, ajudando-a a se acomodar. — Vou chamar o Paul.

— Espera — pediu com urgência. — Me dê um tempo antes, preciso me recuperar.

Um vinco se formou na testa de Anna com a solicitação.

Depois da morte da primeira esposa, a mãe de Angelo, Paul demorou para se dedicar novamente ao departamento afetivo e engatar em um relacionamento. Sua prioridade até então era seu filho que em tão tenra idade, menos de seis meses, perdera a figura materna antes de sequer ter consciência disso. Contudo, um dia, ele decidiu que seria uma boa recomeçar e tentar, uma última vez, encontrar alguém que aceitaria suas bagagens passadas e o fato de ser um pai solteiro. A felizarda, como seu próprio nome dizia, graciosa se tratava de Anna que, de início, emanava uma aura indecifrável e difícil de ler, se abriu aos poucos dentro do entorno familiar no qual, lentamente, fora inserida de bom grado.

Paul e Anna se complementavam e, eventualmente, isso elevou um degrau na relação que os levou para o plano seguinte: o casamento.

O matrimônio dos dois garantiu anos de uma relação estável e madura, Anna era a epítome do feminino e da perspicácia, muito sagaz em interpretar detalhes ocultos nos mais tímidos gestos e conhecer as intenções de um indivíduo antes que fosse verbalizado. Ivy sentiu a analise sobre si, ciente de que, devido a natureza do trabalho do marido, a mulher desenvolveu um olhar afiado, não deixando nada escapar exatamente como um especialista.

— Anda tendo mais crises nervosas por causa dos preparativos? — indagou, atenta.

— Acho que sim. — respirou fundo, se escondendo atrás dessa desculpa para ser manter sã mesmo com as coincidências bizarras distorcendo um pouco seu senso de julgamento.

— Você não deveria se preocupar tanto. Esqueceu que também estamos ajudando nisso? — a consolou com um tom tão melífluo que acalmou qualquer sombra que se espreitava em seu coração. — Se precisar cuidamos do resto, só precisa montar uma lista e um plano para que façamos o melhor...

— Anna — a interrompeu com gentileza. — Eu tive um sonho estranho. — correu os dedos pelos cabelos, inquieta. — Queria conversar com o Paul a respeito para saber o que ele poderia me recomendar, um remédio pra dormir sem ter sonhos ou uma terapia pra tratar isso.

— Um sonho? De que tipo? — inquiriu cautelosa.

Seus pensamentos entraram em um frenesi, incapaz de selecionar e formular uma frase coerente durante o que pareceu longos minutos. Ivy engoliu em seco, um pouco irritada consigo mesma por não ter controlado melhor aquele impulso.

“Deveria revelar a ela?”, se questionou, pondo os prós e contras em uma balança.

Ivy relutou, porém, devido aos anos de amizade e a confiança, sentiu mais convicção em lhe contar sobre tudo que recordava do devaneio, testemunhando as múltiplas emoções que trespassaram o semblante da mulher até, por fim, ver a perplexidade bem impressa em seu rosto.

— Engraçado... — comentou, cerrando os punhos com firmeza no tecido do vestido que usava. — É possível duas pessoas terem sonhos tão parecidos?

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