Capítulo-19

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Desci do carro e corri em disparada para dentro da casa silenciosa. Que merda de corpos que Alyson estava falando, que corpos são esses? Minha cabeça já doía só de pensar que a Michel pode ter machucado minha família. Merda, merda, merda.

Entrei na casa em com pressa e me vi cercado por oito corpos, todos jogados no chão ensanguentado da minha casa, em meio a ansiedade de achar minha família, não olhei se eram meus soldados ou se eu ao menos reconheceria alguns dos homens e mulheres jogados pelo chão encharcado por sangue.

— Acho que o tio chegou— Ouvi a voz doce de Amanda, e depois reconheci o som alto que vinha do quarto dela. Eles estavam mesmo ouvindo música enquanto uma pilha de corpos se acumulava aqui em baixo?

Comecei a subir as escadas com mais cautela, controlando a respiração e me obrigando a entrar no quarto por fim. Vi todos dançando ao som de uma música que não consegui reconhecer na hora, mas não posso negar que meu coração se acalmou. Amanda, Harry e Jéssica, estavam pulando e girando o corpo sem nem me ver ou importar com tudo que aconteceu alí em baixo. Mas outra coisa me chamou atenção, a garota usando minha camisa enquanto estava sentada na cama infantil, com um olhar distante e perdido.

— Não deixe que eles vejam— Alyson sussurrou e se levantou, dando um beijo na cabeça das duas crianças e um abraço em Jessica. Ambos os contatos físicos foram rápidos, quase imperceptíveis.

A garota confiante da outra noite agora parecia um completo caos, quando ela passou por mim sem dizer nada e saiu pela porta dos fundos, apenas para não ter que passar pela pilha de corpos que provavelmente ela mesma deixou, o meu peito se apertou. Não deixe que eles vejam. Senti que Alyson não falava de nenhum daqueles corpos, mas desse lado sombrio e perturbado dela.

— Vá atrás dela, não sairemos desse andar até que tudo esteja limpo lá em baixo— Me virei para começar a caminhar, mas minha irmã continuou— Ela nos salvou, irmão. Ela ainda está alí.

Arregalei os olhos, mas não me virei novamente para olhar a expressão que estaria em seu rosto ao falar aquela última frase. Apenas continuei andando e evitando pensar no que me foi dito a segundos atrás. Avistei Alyson andando pelo Jardim e sorri ao ver seus pés descalços, com se tentasse se agarrar a qualquer coisa real, para evitar o sonho consciente de novo.

— Por que?— Pensei que ela estava falando comigo, mas a garota apenas se jogou de joelhos na grama molhada pela chuva que ainda caía ainda mais intensa. Nesse momento eu soube que ela estava falando com si mesma, ou com qualquer um dos deuses que ela acredita— Não é real, não é real, não é real.

Me aproximei do corpo pequeno e encharcado pelas gotas geladas, e me sentei ao seu lado, seu olhar se virou para mim com certa rapidez. Quase desmoronei ao ver aquela garota tão despedaçada ao meu lado, tão dolorosamente machucada e cansada. Não sabia o que dizer para ela, mas queria gritar e dizer "eu estou aqui, nada vai te ferir de novo. Alyson, eu estou aqui". Mas ao invés disso envolvi seus ombros com um abraço, primeiro seu corpo ficou tenso e logo depois, Alyson escondeu o rosto no meu pescoço e chorou.

Fiz carinho em suas costas enquanto ela deixava tudo aquilo sair, queria dizer tantas coisas, mas simplesmente nenhuma palavra saía da minha garganta. Ódio puro me atingiu, daqueles que a tocaram, daqueles que a machucaram e daqueles que disseram a estar protegendo. Eu mataria um por um, sem o mínimo de dó. Começaria com suas famílias e pessoas próximas, depois os torturaria por semanas, apenas para me deliciar com seu medo. Pois eu estava chegando, e a caçada iria começar.

— As vezes eu sinto como se uma parte de mim tivesse ido embora, sabe?— Não tinha percebido que agora Alyson me encarava, apenas continuei a olhando e esperando que continuasse a falar— Não é segredo nenhum que algo aconteceu comigo, as pessoas só não sabem exatamente o que houve. E bom, acho que um pedaço meu que eu amava, ficou para trás.

Sim, ficou.

— As vezes eu queria conseguir voltar no tempo, apenas para tentar descobrir o que falta, a resposta do por que de eu me sentir tão vazia as vezes— Apertei um pouco seu ombro, mas segurei seu queixo com a outra mão que estava livre.

— Não lhe falta nada, Alyson. Tudo que você foi, ainda está aí, ainda é você— Sorri um pouco para ela, mas seus olhos voltaram a encher d'água- Não chore, não mais. Estou aqui, estamos juntos, somos um.

Suas sobrancelhas se franziram, mas logo ela voltou a relaxar. Eu sei exatamente o porque, Alyson teve uma lembrança de um ano antes de tudo acontecer. Estar próxima de mim iria desencadear isso mais vezes. E por mais doloroso que seria, eu teria que abrir mão dela, para seu próprio bem. Jessica tinha razão, ela ainda estava aqui, a Alyson Michel que eu conheci a anos atrás ainda estava aqui. Partida em mil pedaços, mas estava aqui.

— Você me olha como se eu fosse a coisa mais frágil do mundo— Voltei minha atenção aos olhos lindos a minha frente e foi quase impossível não sorrir com tamanha beleza— Eu gosto, realmente gosto.

Abrir mão
Abrir mão
Abrir mão

Eu faria isso de novo, a deixaria ir de novo por mais que me matasse por dentro. Toquei seus lábios com os meus, um beijo delicado e inseguro como resposta ao que ela disse. Senti uma lágrima escorrer por meus olhos enquanto Alyson abria passagem para a minha língua, tão doce. Seu beijo sempre seria um vício perigoso, um vício a que eu estaria me deixando sentir uma última vez, um último momento. Toquei seu pescoço e Alyson subiu em cima das minhas coxas, apenas para ter uma posição melhor para me beijar, minhas mãos desceram para segurar seus quadris.

Eu estava segurando todo o meu mundo apenas com duas mãos.

Mas ela parou e levantou o rosto para o céu, os olhos fechados e um sorriso aberto enquanto sentia a chuva atingir seu rosto com certa leveza. Beijei seu maxilar e Alyson passou os braços em volta do meu pescoço, sorri abertamente quando ela voltou a me olhar.

— Agora terei como completar a minha pintura, senhor Hacker— Continuei sorrindo, mesmo que por dentro eu estivesse me matando.

Abrirei mão de você de novo, pois sou o veneno que a faz perder o controle. Porém, infelizmente nunca vou deixar de amar cada pedacinho da garota sentada em meu colo. Meu coração foi seu a anos atrás, e continua sendo seu agora. Mas abro mão de você de novo, pois não suporto te ver sofrer.

Rose Dans Le CrâneOnde histórias criam vida. Descubra agora