60 - Febre

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Estávamos indo para casa de carro e Regina disse que faltava pouco para fechar negócio com o casal. Depois contei a ela sobre o que deduzi a respeito da tal comadre misteriosa. Eu dirigia e ela vinha a meu lado com a mão na minha perna.

- Mas se esta é Marinalva, ela não pode ter somente os sessenta e poucos anos que seu Neneco falou.

Sorri.

- Seu Neneco tem um pequeno problema com cronologia minha, linda. Lembra que ele pensou que você tinha 12 anos? – ri – E isso na minha formatura! – ri de novo

- Tem razão. E eu estava com dezoito... – ela riu também – Mas se essa dona foi atrás de seu Neneco é porque sua mãe sabia como entrar em contato com ela.

- Foi no que pensei, lindinha! – olhei para ela e voltei a olhar para o trânsito – Talvez Mary saiba onde ela mora.

- Será? Bom, só saberemos se a questionarmos, não é mesmo?

- Claro, meu amor! – beijei seu rosto rapidamente - Sabe, eu também tenho pensado muito naquele povo do Afogados... Tem muita gente morando lá, e acho que não dá pra resolver o problema porque aquilo ali é um moto contínuo. Sempre virão mais pobres, assim como sempre nascerão uma pregada de crianças, mas nem por isso a gente pode deixar de ajudar...

- Claro.

- De todos os lugares onde já estivemos nunca vi tamanha pobreza e falta de infra-estrutura, e me choca aquelas palafitas que margeiam o rio. Minha mãe ainda morava na parte mais pobre.

- Sabe, amor, eu tive de me controlar para não chorar quando estivemos lá. É terrível... – balançou a cabeça pensativa.

- Eu queria construir casas pra esse povo todo! Nosso país tem um déficit de moradias vergonhoso, e ainda mais com esse governo FHC (Fernando Henrique Cardoso), que arrocha o social por conta dessas taxas de juros altíssimas, a situação só tende a piorar. Você já notou que não se vêem investimentos em infra-estrutura, logística e nem em nada? A construção civil está praticamente parada! Não fossem as obras eleitoreiras de Prefeituras e mais as siderúrgicas privatizadas fazendo upgrade a gente tava mal. E nem gosto de lembrar dessas privatizações... Ai, eu fico doente com essa política neoliberal e entreguista que nos governa!

- E quando nós revendemos os imóveis reformados são sempre estrangeiros que compram, já reparou? – olhou para mim.

- Já! Eles estão tomando conta do nordeste! Pra eles é vantagem especular aqui. Mas eu me sinto aliviada por não vender para aqueles que claramente estão envolvidos com coisas do tipo drogas, prostituição e outros bichos.

- E agora é capaz de piorar. O Real caiu no começo do ano, lembra? – olhou para mim – Também, não fosse aquilo a economia quebrava. Tinha que aliviar a pressão de alguma forma...

- É... Quero ver até quando esse povo não vai perceber que a gente precisa de uma mudança! E os caras agora estão fechando o cerco pra privatizar a Petrobrás, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica! Se Deus quiser não vão conseguir!

- Queira Deus que não! Nós vivemos isso na Inglaterra com a Dama de Ferro. Ela privatizou o que tínhamos de melhor, e eu digo que se não caímos foi por conta da moeda forte e séculos de poder nas mãos. Mas nosso país já não é mais o mesmo há alguns anos. Saúde, educação, tudo isso vem caindo em qualidade. Nossos centros de pesquisa... Estamos perdendo muito espaço e nos tornando cordeirinhos dos Estados Unidos cada vez mais. Se vovô estivesse vivo...

- O Brasil não tem o peso da tradição de poder que vocês têm. Nossa tradição é de tomar na cabeça, e isso pra ser gentil! A gente fica numa situação bem pior que a Inglaterra. Não tivemos uma Dama de Ferro, mas o nosso dear president… (Querido Presidente…) – respirei fundo – Bem, vamos mudar de assunto. – parei o carro – Regina, que engarrafamento é esse aqui? – abri a janela e olhei para fora

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