Prólogo (revisado)

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Toc...Toc...Toc...

-Luiza, acorda. Você precisa fazer o cardápio de hoje. - Ouço a voz da minha mãe, ao pé da porta, mas tudo está tão longe, era assim, eu acordava, mas demorava uns vinte minutos para que o meu corpo entendesse que eu estava viva.

Abro os meus olhos, tentando me adaptar à claridade do ambiente

- Já estou indo mãe. - Lhe retorno de maneira preguiçosa, a voz rouca como toda manhã, fazendo isso enquanto me ponho sentada na cama em busca de minhas chinelas.

- Onde foi que eu as coloquei?

Era para ser só mais um dia comum, como qualquer outro, porém esse era diferente. Hoje minhas aulas iriam retornar. E eu não queria voltar, mas eu tinha que voltar, porque as pessoas estavam criando expectativas em cima de mim, e eu tinha a obrigação de cumpri-las.

Infelizmente chega determinado ponto da vida da gente que já não são mais nossas vontades, mas as necessidades.

Fazer Enfermagem, trabalhar na área da saúde foi sempre o que me vi fazendo, mas depois do que vivi alguns meses atrás, não sei se consigo mais fazer isso. A mente da gente é uma coisa absurda, não é? E em questão de tempo o cenário pode até ser o mesmo, mas tudo é absolutamente diferente.

Me afasto desses pensamentos, antes que eu entre em um monólogo e me levanto, afinal, para as coisas funcionarem em casa, tudo dependia de mim e do meu sorriso, mesmo que fosse forçado, mesmo que por dentro eu estivesse chorando.

-Tu já viste teus cabelos no espelho? - Minha mãe olha pra mim e sorri, nossa ela está simpática, coisa rara. Vou direto para o banheiro e me olho no espelho, de início tomo um susto, meus cabelos estavam uma bagunça, apesar de que o corte dele estava pequeno, ele não deixava de ser um ondulado volumoso. O que me dava a aparência de uma bruxa.

Depois de um banho rápido, para fazer minhas higienes matinais, me sento para tomar café, o que seria a vida sem café?

-Qual cardápio de hoje? - Me direciono com a minha mãe enquanto coloco café na minha adorável xícara marrom, líquido dos deuses que fazia minha cabeça funcionar durante o dia.

-Carneiro, Cozido, Strogonoff e Panelada. Que bom que demorou pouco hoje, o salão está sozinho, toma café e vai para lá atender e receber os pedidos.

E é isso que eu faço durante toda a manhã, atendo, recebo pedidos, sirvo, limpo. Eu sou a Barbie em escola de princesas, só não sou uma princesa. As horas passam voando e já está dando a hora de tomar meu banho, me ajeitar e pegar o ônibus para a faculdade.

Antes da pandemia eu até gostava de viajar, duas horas para ir e duas para voltar. Quem mandou fazer faculdade na capital morando no interior? Chegar todos os dias após a meia noite e trabalhar no dia seguinte.

Porém, ele estava lá. Ele estava lá me esperando. Eu não sei como conseguirei ficar firme quando olhar para o mesmo canto em que ele me esperava todas as noites e saber que eu nunca mais irei vê-lo.

-Tome logo banho ou vai se atrasar. -Minha mãe me tira de minhas ponderações. Suas feições demonstram preocupação, acho que ela sabet como me sinto em relação à hoje, mas prefere não dizer nada. Ela sempre foi assim, nunca foi de sentar e conversar sobre algo, e isso ao mesmo tempo que era bom, era ruim, porque as vezes a gente precisa de um conselho de mãe, mesmo que não queira.

E lá vou eu, subo no ônibus e meus olhos rapidamente percorrem as cadeiras até achar a minha, a poltrona vinte e três. Essa que me leva dois anos até meu local de destino.

Sempre tive manias absurdas, como só conseguir tomar banho se o rodo tiver dentro do banheiro, e eu nem o uso para nada, é só para ter a sensação de que ele está ali, ou ler bulas de todos os remédios que vejo e compro. Porém, o número vinte e três tinha história na minha vida. Várias coisas aconteceram nesse dia em meses diferentes, coisas boas e ruins, mas que marcaram minha vida. Então eu considerava vinte e três o meu número.

Até o Para Sempre - ValuOnde histórias criam vida. Descubra agora