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Elídio nunca pensou em como era difícil tocar a vida após uma relação abusiva. Ninguém falava muito do que acontecia depois, especialmente quando a vítima era um homem, então ele acreditou teria a capacidade de sair de casa e continuar com sua vida do mesmo jeito que era antes. E então se viu apavorado e paranóico. Tentou voltar em seu apartamento e caiu no choro ainda na portaria, tendo que ser amparado por Anderson. E então de novo, quando entrou em sua casa e encontrou o local destruído.

"Ele acabou com tudo." disse choroso, em pé no meio da sala destruída. Ele havia andado por todo o apartamento e Mateus havia feito questão de ser rasgar, quebrar e arruinar tudo em que pôde colocar as mãos. Até mesmo as lembranças da época dos Barbixas haviam sido estraçalhadas por ele. Sanna se abaixou e pegou o tecido de uma camisa preta, onde apenas a metade de uma carinha amarela podia ser vista na estampa. Esticou o braço para mostrar a camisa para Andy, que apertou os lábios em desgosto e pegou a camisa rasgada. "E agora?" lamentou o de cabelo comprido, encarando a televisão jogada no chão. Só o que havia sobrado para Elídio tinham sido alguns móveis, grandes e pesados demais para jogar, e o que ele havia conseguido levar embora consigo

"Você vai voltar pro palco e conseguir reconstruir tudo." Anderson falou num tom de esperança. "E todos os seus amigos vão te ajudar. Coragem!"

Sanna não tinha tanta esperança, então se limitou a assentir e dar as costas ao seu antigo lar. Anderson tentou levar o amigo para sua casa, mas Lico não queria incomodar mais, insistindo para ser deixado no seu novo apartamento alugado (havia deixado o anterior as pressas após o embate com Mateus). Não se alongou nas despedidas, subindo depressa e trancando a porta. Ainda se sentia agoniado pela visão de mais cedo. Só de pensar que sua vida tinha ruido na frente de seus olhos lhe deixava extremamente depressivo.

O último ano havia sido tão pesado e devastador que Sanna quase não conseguia mais se enxergar quando se olhava no espelho. Quando parava para pensar, encontrava muito pouco do Elídio de um ano atrás, ou mesmo de quatro meses atrás. O Elídio de quatro anos atrás já era visto como morto há muito tempo. Sanna se enxergava apenas como uma carcaça, que servia apenas para dar trabalho aos outros. Como sairia daquele fundo do poço?

***

Do outro lado da cidade, Daniel também não parecia estar em sua melhor forma. Um mês após a prisão de Mateus, ele já havia se curado de seus ferimentos; mas ainda era constantemente assombrado pela lembrança de Elídio.

Mesmo que tentasse posar de superior e inabalável, o ex-ator sentia-se muito aflito com a ideia de encontrar Sanna. Tinha medo de sua reação e dos sentimentos que poderiam surgir se voltassem a conviver, sem a sombra dementadora de Mateus sempre a espreita para atazanar. A verdade é que Daniel ainda carregava uma enorme mágoa dentro de si, e isso era algo que a terapia não iria conseguir curar de um dia para o outro. Não queria abaixar a guarda e acabar apunhalado mais uma vez. Sabia que era um medo infundado, mas não queria ser racional.

Do jeito que podia ele seguia sua vida. Continuava trabalhando em ritmo frenético, mas tinhas suas horas certas para parar e comer direito. Ainda sentia a abstinência pelo cigarro e seu vinho, com alguns dias tão ruins que quase havia desistido, mas se mantinha firme. Estava em seu melhor momento em muito tempo, e por isso temia o que uma reaproximação com seu maior gatilho faria com ele. Ele não estava pronto.

Daniel havia dado por encerrado seu trabalho daquele dia. Estava desde muito cedo na frente do computador e sentia sua cabeça pulsando com uma dor muito chata. Quando levantou da sua mesa de trabalho, pensou em cair direto no chuveiro, mas o chamado da sua cama foi mais forte e o fez se aninhar no colchão, puxando um dos travesseiros para abraçar. Seu lar estava muito silencios9 e muito mal ouvia o som dos carros do lado de fora da janela. Esse silêncio lhe trazia um sentimento muito gostoso de paz e serenidade, depois de um dia tão frenético — mas nem sempre havia sido assim.

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