Prólogo - Telbrimbor

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    A bestialidade, apesar do nome, é uma característica bastante comum no ser humano.

   Em Telbrimbor não era diferente. O povo se apinhava nas ruas ao redor do cadafalso, aos poucos mais e mais pessoas se ajuntavam ao redor da plataforma erguida no centro da praça, estavam bastante interessadas no que viam. 
 
     Aquilo não era comum em Telbrimbor, era uma vila pequena e isolada para além do Mar Interno, entre a Grã Ilha e o Continente Verde. Ficava na Icânia, uma das regiões continentais, bastante longe das caçadas e das fogueiras que aconteciam na Grã Ilha.   
 
      Bem, não tão longe assim. Agora viam os rapazes capturados sendo amarrados a um alto poste de metal, cujo chão estava sendo coberto com feixes e mais feixes de palha e lenha, não parecia que estavam em uma boa situação. Tinham sido pegos por agentes da Igreja, os infames Cavaleiros Vermelhos da Sacra Cavalgada, e essa desagradável companhia trajada de armaduras vermelhas ainda fazia a guarda dos prisioneiros.

    — Não sei o porquê de tanta segurança para meia duzia de delinquentes que aparentemente brincaram com elixires — Um homem murmurava, olhando os doze cavaleiros vermelhos ali parados, de armadura completa e espadas longas na bainha. 
 
     —  Tonto… não são esses aí que assustam a Alta Fé, esses são aperitivos. O que realmente assustou até mesmo os mercadores da cidade...é ele —  Respondeu um dos comerciantes da vila, ele engoliu seco. 

     O sacerdote entoava preces com uma voz poderosa de cima do cadafalso, coberto por um pesado manto carmesim que se sobrepunha à uma batina da cor do azeviche. Usava capuz e uma máscara de ouro branco, apenas seus olhos da cor do mel eram vistos pelas frestas da falsa face congelada em uma expressão nula, seu discurso porém não era tão vazio de emoção quanto a máscara.

     — Abram vossos olhos, bom povo de Telbrimbor, o bom vento da paz e amor continuará a percorrer nosso tão amado Leste! Mas para isso os hereges, que afastam a benção, devem ser purificados! Aquilo que não é puro não deve continuar aqui, deve ser julgado pelas mãos dos Poderosos… —  Discursava o sacerdote, gesticulando energicamente com um par de mãos enluvadas cravejado de ricos anéis cheios de brilhantes.
 
    Mas as discussões estavam longe do cerne daquele palco de execução. Os olhares estavam para longe, vendo para além dos casebres de madeira, da praça e do mercado da vila, apenas a aproximação era capaz de fazer com que arrepios fossem sentidos. Ninguém entendia o que era aquilo, senão os cavaleiros vermelhos, que pareciam calmos e preparados. Era como se o que viesse fosse uma tempestade.
 
     Os grilhões vinham tintilando ao longo do caminho do prisioneiro, escoltado por mais três cavaleiros, seus pés se arrastavam em um vagaroso caminhar devido às pernas unidas uma à outra pela pesada corrente. Os elos tinham o tamanho de maçãs e eram tão pesados quanto pedras, parecia um trabalho colossal, mas o homem acorrentado não parecia se esforçar mais com isso do que se esforçava para caminhar atrapalhado pelos grilhões.

        A multidão se dividiu nos lados da calçada para permitir a passagem do pequeno séquito, os olhos brilhavam com interesse mórbido, alguns se sentiram tentados até a tocar a peça de fascínio. Mas um olhar sorrateiro do acorrentado foi o suficiente para todos se retrairem.

     — Você é celebridade aqui, feiticeiro. Um pagão é sempre a carne que o povo mais aprecia ver queimar — Debochou um dos cavaleiros, o prisioneiro lentamente virou o rosto para olhar.
 
    O condenado era um homem bastante alto, ombros maciços como os de um touro, seus braços ainda mantinham alguma musculatura invejável mesmo com o tempo na prisão. Sua fronte, porém, estava acabada. A pele, morena e provavelmente outrora vigorosa, agora tinha um tom empalidecido e pouca firmeza sobre os ossos protuberantes, o queixo quadrado estava coberto por uma desgranhada e encaracolada barba negra.
 
    — Ah, isso talvez se deva pela falta de carne para queimar. Afinal o clero que você serve pediu boa parte da safra e do gado do ano passado como tributo, não? — O prisioneiro rebateu, mordaz, silenciando o seu captor. Pareceu se satisfazer com isso, um sorriso travesso lhe percorreu os lábios rachados.

As Crônicas de Terror e Encanto - 𝐈Onde histórias criam vida. Descubra agora