XVIII - Calevandiel

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Pela primeira vez desde que se lembrava, Grimm achava que poderia morrer. Era assustadora a sensação do seu coração ribombando, lutando para bombear o sangue mesmo com o enfraquecer gradual da pulsação.

A última visão que teve antes de apagar foi ver um homem alto parado do outro lado da ponte, erguendo as mãos e murmurando palavras. Magia para tornar o caminho possível de ser atravessado. O homem rapidamente correu na direção do castelo e fez sinal para que Beatrice o seguisse.

Depois disso passou por períodos de escuridão completa em sua visão e pequenos fragmentos de realidade. Ouvia vozes chamando o seu nome, via rostos que pensava que nunca mais veria na vida e caminhava por onde pensava que nunca mais pisaria. Era uma confusão de figuras e sons, mas o único gosto que tinha na sua boca era o de sangue.

- O monstro é amaldiçoado. Ser atingido por uma dessas garras é...-

- Uma sentença de morte para qualquer humano comum-

- Mas ele é um servo do fogo-

- Então as chances dele acabaram de crescer-

Grimm sentia frio na maior parte do seu corpo, suor escorria da sua testa assim como uma cachoeira. Tossia sangue e seus olhos constantemente reviravam e seu corpo tremia, apesar disso os piores sintomas eram a dor latejante e extrema acompanhada de sua energia drenada gradualmente. Ao mesmo tempo que a cama onde se deitou era suave, ele gritava toda vez que as feridas encostavam em qualquer superfície.

Alucinou de verdade. Piscou várias vezes, as pálpebras pesavam sob o peso do suor gelado. Diziam que seu corpo queimava, alguém tinha afastado a mão depois de tratá-lo e ela estava com uma marca de queimadura, mas como? Ele sentia tanto frio. Versões enevoadas dos rostos de Felagund e Florian iam e vinham zombando de sua situação.

Bebia o próprio sangue e às vezes se engasgava com ele. Tossiu repetidas vezes e já não aguentava mais sofrer. Desejou a morte mais de uma vez. Desejou que aquilo acabasse, percebia o sol surgindo e se escondendo dia após dia e sua cama ainda manchada com sangue infecto. Mal conseguia enxergar, seus olhos ardiam.

Acordou em um dia menos pior e conseguiu reparar que tossia menos. Mas ainda suava e cada segundo de vida doía, suas feridas não se fechavam e ainda fediam. Todo o quarto branco, com janelas de cristal e móveis de madeira dourada, era impregnado com o cheiro da morte.

- Água. Sua garganta deve estar destruída- A voz de Beatrice chamou ao seu lado. Sentada em um banco, ela tinha os cabelos presos em uma trança sobre os ombros. Estava trajada com um vestido branco e os ombros protegidos por ombreiras de flores.

Não teve forças para responder, apenas tateou até o jarro de água e bebeu dele com sofreguidão. Tinha gosto de ferro. Respirava com dificuldade quando terminou, jogou a cabeça para trás.

- Você é realmente teimoso, igualzinho ao meu pai. Foi de frente contra aquela coisa como se fosse feito de aço-

- No treinamento de Guardião eles nos incentivam a matar monstros-

- Não matou esse e ele ainda tá quase te levando-

- Pois é, ele é melhor do que eu no meu próprio trabalho, acredita?- Não sabia como conseguia manter o humor. Seus olhos brilhavam na cor do âmbar e suas feridas queimavam.

- Isso não tem graça, estúpido- Beatrice retorquiu, embora a sombra de um sorriso passasse o seu rosto. - Achou mesmo que eu ia fugir e te deixar lá?-

As Crônicas de Terror e Encanto - 𝐈Onde histórias criam vida. Descubra agora