As Crônicas de Terror e Encanto - 𝐈

XXIV - Feralind

Conforme o céu foi ficando cinzento e nublado subitamente, em contraste com o azul vibrante do mar aberto, Grimm sabia que estavam chegando. Ficava frio e como ficava frio. Mal conseguiam enxergar através da neblina.

Avistou Arwend no píncaro de Arthelas, o castelo se erguia irredutível no topo daquela imensa montanha gelo e neve. Uma nevasca fora de época tinha enterrado a ilha inteira em uma paisagem rigorosa, montes que não existiam antes podiam ser percebidos como inteiramente feitos de neve e confundidos com as dunas de areia branca da praia. Os pinheiros do bosque foram pincelados de neve pelos dedos da nevasca.

E mais adiante, Cyen também tinha sido açoitada pelo "general inverno". Boa parte das casas tinham sido queimadas e agora tinham sido envolvidas em uma crosta gelada. A vila tinha sido dizimada até em suas estruturas básicas, o garoto percebia que até o mercado tinha sido derrubado em seus alicerces. Ele, porém, sabia que a causa não tinha sido o inverno e que ele até impedia o pior: algumas áreas da vila estavam preservadas e cercadas por estacas e bizarros muros de gelo sólido.

- Eu nunca tinha visto esse tipo de coisa - Grimm se impressionou. Ele, mesmo com todos os poderes de fogo, sentia frio. Acabou por se cobrir com o manto de escamas.

- Nem eu, não sei se é algo do inimigo ou do nosso lado - Belle apoiou os cotovelos na amurada.

- Eu tenho a leve impressão de que se for algo dos nossos aliados... logo vai ceder - O rapaz teve um calafrio cortante.

Dobraram os rochedos de Cyen e perto de entrarem nas praias de areia branca de Arwend, Grimm parou o barco antes que ficassem à vista das naus. A frota inteira estava ali em peso, dezenas de navios carregados de catapultas e balistas tornavam aquela armada um absurdo de força. Três naus daquelas poderiam arrasar um porto sem esforço, carregadas como estavam de ferais armados até os dentes com peças de guerra. O garoto não conseguiu ver nenhum humano ou anão ali.

" Ele traiu os próprios milicianos e os anões. Trocou todos por uma hoste de Felagund " Grimm teve nojo ao perceber isso. Se recusou a sentir a outra coisa: o temor. As velas com o brasão pessoal de Derik tinham substituído o brasão de Messaria.

- Como vamos ancorar?- Ele foi forçado a perguntar.

- Me deixe na direção. Vamos para um lugar mais sossegado - Arabelle tomou as cordas e puxou as velas para outra direção.

- Isso soou como um flerte - Grimm cruzou os braços e se apoiou no mastro. Deu um sorriso de canto.

- Idiota - Ela ficou vermelha de raiva ou de vergonha. Como nos velhos tempos.

Contornaram os penhascos do sopé da montanha por algumas horas e enfim desceram do barco em uma praia tímida de águas quentes, esquecida pelo inverno. Saltaram do barco e adentraram em uma gruta escura e decorada por cristais de gelo em seu teto, saindo pouco tempo depois no interior do bosque aos pés de Arthelas.

- Enfim um lugar conhecido -

- Realmente, por isso preciso me desviar um pouco do caminho - Grimm anuiu e não esperou por Arabelle. Se embrenhou por entre os pinheiros nevados, seus passos sendo abafados pela neve. Mesmo assim sentia que estava sendo observado e seguido, em alguns momentos pensou em ter visto de relance um par de olhos castanhos de urso.

Parou por um tempo para ver os pedaços petrificados de uma manticora morta há anos. Congelada, tinha se tornado pedra antes mesmo daquele inverno chegar, era o que acontecia com os monstros quando morriam pois nem os vermes se atreviam a comer sua carne.

Deixou a manticora de lado e foi ao que o interessava. As lápides estavam quase como as havia deixado, porém nesse dia tinham uma superfície de gelo as cobrindo. Procurou entre todas as runas a que ele carregava no nome e parou diante do túmulo, ficou pensando bastante nesse momento e nos que viriam depois disso. O mar era seu inimigo e ele ia e vinha do lado de fora...deuses, se sentia tão fraco.

" Eu sequer consegui derrotar Veskell, eu sou patético. E agora vem algo ainda maior sem eu estar pronto? " Se viu atado nessas dúvidas.