IV - O Mal Maior

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    Grimm bateu a porta às suas costas, o estrondo foi forte. Por outro lado, as chamas se dissolviam pouco a pouco, até deixarem o corpo do garoto. Sentiu novamente o seu coração ribombando, não de ódio, mas sim de nervosismo.

   Sentiu apenas agora as consequências do que fizera. Só percebeu o peso das suas ações quando se viu sozinho no quarto vazio, sob a luz do entardecer que brotava na porta entreaberta. Atravessara surdo todo o caminho de Arwend até o alojamento em Cyen, apenas para cair em si ali.
     Quando tudo que fizera se tornou irrevogável.

    - Deuses...o que eu fiz?- Se perguntou, se lembrando que desafiara os Anciões. Mas então digeriu o porquê e não sentiu mais o arrependimento. Não iria sacrificar uma pessoa por quem ele tinha carinho, e que acima de tudo era uma pessoa de carne e osso, por um mero grau mais alto.

    Sentou-se no catre de palha assim que suas pernas fraquejaram e ficou ali digerindo seus problemas. Sentiu um pesar profundo no seu coração, algo como um vazio. Sentia certeza de que nada seria como antes, sabia qual seria a decepção no rosto de Begorn se tivesse tido coragem de olhar.

   Pensou na possibilidade de que alguém entrasse de surpresa no quarto e instintivamente pegou uma adaga em cima da escrivaninha. Apertou o cabo de mogno e guardou a arma na bainha, se sentia um pouco mais seguro tendo aço perto de si. Pensou um pouco e fechou as cortinas antes de se deitar no catre e pôr as mãos acima do peito, tentou dormir para que o tempo passasse.

   Não soube como adormeceu. Apenas sentiu-se revirar e revirar naquele quarto cada vez mais sombrio, conforme a noite se avizinhava. Os pensamentos se tornavam mais difusos conforme abandonava a realidade e se via com rápidos sonhos, com o homem de cabelos ruivos ou não, alguns deles tinham firmes olhos vermelhos e um sorriso cheio de dentes afiados.

  Pensou que tinha acordado, mas não reconheceu nada ao redor e supôs ser um sonho lúcido. Viu-se sob um seu estranho, deformado e feito de ondulações estranhas, como se tivessem costurado fumaça espessa e fogo um no outro. As espirais se mexiam como se fossem realmente nuvens, mas não abriam espaço para qualquer luz que parecesse com um Sol ou lua.

  O chão era uma vastidão de dunas brancas como cal, dunas tão altas quanto montanhas, pouca luz se refletia naquele ambiente sem vida. Grimm mirou embasbacado para aquela dimensão onde não via sentido em nada e, trôpego, virou-se e viu alguém o observando no topo das dunas.

   Era o limite entre um homem e uma besta. Uma pele inteiramente pálida, assim como as dunas, os traços de seu rosto eram encovados e longos e seus olhos traziam um vermelho sem brilho. Chifres brotavam de sua testa e seguiam até a parte de trás da cabeça, em meio às madeixas do cabelo prateado.

   - Deve estar se perguntando onde está e oque eu sou, não é?- O demônio deu um sorriso, a boca recheada de dentes afiados como navalhas. Caminhou com o tintilar de metal durante suas passadas, aparentemente usava alguma armadura por baixo do longo manto negro que vestia.

    - Não é difícil perceber, né?- Grimm murmurou em resposta, embasbacado. Parecia um demônio das lendas. Aquelas criaturas tidas como apenas mitos, os únicos seres capazes de domar monstros. E aquele monstro de alta estirpe lhe sorria.
 
   - Esse aqui é o meu mundo, um lugar onde eu posso mandar e desmandar de forma livre: é a minha mente. A mente do Senhor dos Exércitos do Leste, do general das Legiões Secretas e Conquistador de Tel...-

   - Você é um demônio.- Grimm interrompeu, encarando aquela criatura. O demônio pareceu achar engraçada a coragem do menino e encarou de volta, Grimm sequer conseguiu sustentar a competição.

   - Suponho que que não seja difícil perceber.- O demônio retrucou, a voz por um momento aveludada e perigosa. Desceu da duna e ficou mais próximo do menino. - Mas sim...eu sou um demônio. Uma criatura de poder gigantesco, um homem que se tornou além da simples humanidade. Eu sacrifiquei a mera mortalidade em prol de esmagar os homens.-

As Crônicas de Terror e Encanto - 𝐈Onde histórias criam vida. Descubra agora