III - Acorrentado

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   Acordou com o estômago já revirando, se remexendo no catre de palha em seu alojamento. Demorou longos minutos para se sentir realmente pronto mas, quando se levantou já estava desperto. Mesmo com o sonho do homem ruivo e as chamas perturbando sua noite, mais vívido do que nunca.

   A hora na qual acordou ainda precedia a alvorada. Usou o tempo extra para lavar o rosto com uma cuia e se ver no espelho, seus olhos da cor do âmbar estavam pesados e os cabelos castanho escuros bem despenteados. Vestiu depois disso calças desbotadas de linho, uma camisa simples e uma jaqueta de couro castanha.

     - Nunca imaginei que logo você não iria se atrasar. Pensei que ainda estaria dormindo.- Arabelle se anunciou, já abrindo a porta do pequeno aposento. Vestia roupas semelhantes.

     - Dessa vez a ansiedade me acordou.- Grimm deu uma dentada na fatia de pão preto com mel e ofereceu uma caneca de água para a amiga. Os dois se sentaram no catre e comeram juntos, em silêncio.

     - Sabe que vai ser difícil, não sabe? É o momento das nossas vidas.- Arabelle contou, no meio termo entre um aviso e um desabafo de seu próprio coração. Ela também estava nervosa.

     Grimm percebeu que deveria se deixar de lado por um momento e apoiar a amiga. Colocou a mão no ombro dela e sorriu. Às vezes precisava sacrificar seus próprios medos em prol de iluminar a escuridão dos outros.

   - Só podia ser você mesmo, tão habilidosa e tão idiota. Pode derrotar quantos monstros aparecerem na sua frente e ainda vai pensar que é inferior a um cão.- Grimm ficou satisfeito ao ver o alívio crescente na expressão de Arabelle.
 
   - Você deve estar certo. Talvez eu só precise me preocupar menos com falhar e mais em acertar.- Ela anuiu e então terminaram de comer. Os dois arrumaram suas coisas e partiram para fora do casarão na colina onde ficavam os alojamentos.

   Cyen era a ilha adjacente a Arwend, cheia de casas de pessoas que viviam sob a proteção dos Guardiões e que uma vez a cada cinco anos cediam uma criança para se tornar parte da ordem. Era uma vila simples para pessoas simples, com telhados de madeira vermelha cobertos de neve, árvores iluminadas com pedras brilhantes e ruas com calçamento de tijolos de pedra.

    Grimm e Arabelle recebiam sorrisos e desejos de boa sorte conforme encontravam com os primeiros transeuntes nas ruas. O garoto chegou a apanhar uma maçã conforme chegavam perto da ponte de pedra que cruzava o estreito até a ilhota pedregosa e gelada onde o castelo de Arwend estava empoleirado.

    - Viu? Somos especiais aqui. Eles querem que nós passemos aqui. Eles nos veem como parte de todo esse lugar e desejam o nosso sucesso.- Arabelle comentou, se referindo às conversas anteriores. A expressão de Grimm ficou mais distante.

    - É...somos especiais até o momento em que falhemos.- Grimm via seus passos deixando a praia de areias brancas e os montes elevados, o guiando até a subida íngreme pelas encostas da montanha de Arthelas. A ansiedade apenas subia, conforme o ar se tornava rarefeito. Os degraus escorregadios de gelo eram vencidos um por um, até que estivessem diante das portas de madeira reforçadas e suas grades de ferro encravadas na face ocidental da muralha.

    - Candidatos ao Elo Arsenal..- Uma voz os anunciou por detrás dos portões. Só conseguiram ver a silhueta do homem encapuzado e de sua armadura segmentada de placas de um azul escuro como a noite. Seu pescoço era cingido por um cintilar prateado.

    Seguiram por uma escada já a céu aberto por dentro das muralhas e emergiram no largo pátio do castelo. Fora das esguias torres de vigia, dos suntuosos prédios de alojamentos, das sombrias galerias subterrâneas e da poderosa torre azul de menagem. A maior torre era azul, onde habitavam os Anciões, aqueles que governavam os assuntos dos Guardiões e de Arwend.

As Crônicas de Terror e Encanto - 𝐈Onde histórias criam vida. Descubra agora