XXVIII - Encanto

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Não sabia se realmente tinha despertado ou não, estava largado na beira de um riacho límpido. Pedras cinzentas cobertas de musgo o cercavam, árvores baixas se espalhavam por toda a paisagem. Sabia que não era um sonho ou o pós vida por um pequeno motivo.

Sentia dor. Muita dor. Gritava de dor. Deitado nas margens, a água gelada passava pela sua perna com um buraco em carne viva. Olhou para o próprio peito e viu também uma fissura aberta, vertendo sangue vermelho, mas de longe não era o pior dos ferimentos. O braço direito pendia imóvel do lado do corpo, incapaz de empunhar a espada prateada, estava pálido e a palidez já subia para o resto do corpo.

O braço de defunto tinha atravessada uma marca de corte tingida de sangue escuro, grudado ali como cola. Grimm tateou com a canhota pelo braço esbranquiçado e o soltou rápido, ainda doía ao toque. Não ajudava muito saber disso, não conseguia se levantar para pedir ajuda. Agonizaria até a morte. Era o seu fim.

- Puta merda...se fosse para morrer assim que pelo menos tivesse sido lutando contra o Felagund - Grimm grunhiu. Na sua memória estava ganhando a luta, seu corpo estava leve e golpe após golpe desestabilizava o demônio. Estava vencendo, quase derrotando de vez a ameaça e salvando Arwend, mas agora agonizava em um lugar que nem sabia onde era.

- Caramba, seus ferimentos estão realmente feios, mas relaxa - Uma voz surgiu por atrás e mãos ágeis seguraram seu braço inerte. - Eu já peguei meus equipamentos, você vai ficar pronto num instante -

- Quem é você? - Grimm perguntou, sua voz saindo rouca.

- Que negócio feio esse no seu peito, ein? Quem fez isso? - A pessoa apareceu na sua frente, era nada mais que uma criança loira com um sobretudo azul grande demais para o corpo. Ele passou a mão pelo braço pálido do moribundo. - Nossa, esse aí é difícil, tá envenenado. Foi um escorpião ou uma cobra?-

- Sangue de demônio - Grimm respondeu, o sangue se esvaia do seu corpo.

- Nossa, sério? Puxa vida...como assim sangue de demônio? Eu ouvi falar de uns ataques de demônio mas achei que eram lendas, mas realmente, bem que parec... -

- Olha, se quiser ajudar é melhor calar a boca - Grimm tentou se levantar, ríspido, mas sua vista turvou e caiu novamente no chão sentindo ainda mais agonia.

- Ah, perdão! - O garoto estava embaraçado. - Me permita... -

O menino tirou da manga do sobretudo um saco de couro do qual tirou um pó rosa. Polvilhou nas bordas do buraco no abdômen e nas costelas. Para ajudar, puxou a runa da armadura e ficou fascinado ao vê-la se transformar no manto de escamas cinzentas. O tirou do corpo do moribundo e testou o peso na mão.

- Uau, uau! Um artefato élfico, eu sempre quis ver um desses de pert...-

- Foco! - Grimm pediu, até erguer os olhos requeria esforço.

O garotinho mexeu mais nas feridas e com uma substância pastosa ao redor dos dedos, grudou neles alguns grãos triturados. Grimm urrou durante minutos a fio enquanto a substância era passada no interior da carne. Quando finalmente acabou, sentia um frio que tremia os seus ossos.

- Eu sei que parece um tratamento de choque, talvez porque realmente seja, mas só há um lugar onde você realmente teria um atendimento agradável - O menino fez um sinal com a mão e o corpo de Grimm se ergueu do chão. Era um mago, mesmo sem parecer ter mais do que doze anos, e usava a mesma magia que Felagund mas de uma forma bem mais suave.

- Que lugar seria esse? - Grimm questionou, se sentia um pouco humilhado em ter que ser carregado por magia.

- Tem um clérigo em Visle, um dia de viagem daqui, ele é mais apto que eu para curar ferimentos - O menino respondeu. - E cá entre nós, só o cargo e o tipo de magia dele impedem que seja pego pela Igreja -

As Crônicas de Terror e Encanto - 𝐈Onde histórias criam vida. Descubra agora