Dez

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Ela deu a volta e parou na minha frente

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Ela deu a volta e parou na minha frente.

— Não estou te seguindo. — Avisei encarando o chão.

— Eu sei. — Me estendeu a barra de chocolate. — Toma, você pode ficar com ela.

— Não precisa.

Anna pegou uma das minhas mãos e colocou a barra em cima. Ela ainda mantinha o nosso contato físico até que finalmente eu lhe encarasse. A mais velha sorriu meio sem graça.

— O quê está fazendo aqui tão tarde?

— São quase oito, não está tarde. — Passei por ela. — E obrigada pela barra!

Fui até o caixa para pagar.

— São quatro e oitenta.

— É débito! — Estendi o cartão, senti uma presença atrás de mim me impedindo de fazer o pagamento.

— Pode deixar comigo.

Franzi a testa com estranheza. Anna passou a barra e mais algumas coisinhas, pagou tudo, pegou suas sacolas e entregou meu chocolate. Saímos do mercado juntas pois ela pediu ajuda para guardar as coisas no porta-malas do carro. Concordei achando tudo aquilo muito estranho.

— Por quê fez aquilo? Eu posso comprar meu próprio chocolate, sabia?

A mesma fechou o porta-malas me encarando em seguida.

— Aceite como um pedido de desculpas, você não merece, mas senti que foi dura demais com a forma que falei com você.

— Se é por isso, eu não quero! — Fiz ela pegar aquele “presente de desculpas.” — Não preciso da sua pena.

— Não se trata de pena. Pega logo esse negócio... — Colocava na minha mão e eu devolvia. Esse ciclo continuou por algum tempo como se fossemos duas crianças. — Ah quer saber? — Arrancou o chocolate de mim, caminhou até um morador de rua que estava acampado enfrente ao mercado e lhe entregou o doce.

Fiquei boquiaberta.

— Por quê fez aquilo?

— Ele precisa daquilo mais do que você. Não seja egoísta.

Revirei os olhos.

— Não estou sendo, foi só uma pergunta retórica. — Cruzei os braços.

— Certo. — Pegou as chaves do carro e foi até a porta do motorista. Me olhou de relance e proferiu: — Entre!

— O quê? — Franzi a testa.

— Estou pedindo para entrar no carro, Rebecca. Vou te dar uma carona até em casa.

— Já disse que não preciso da sua caridade. Que saco!

— Entre, Rebecca.

— Não! Eu prefiro morrer do que entrar no seu carro. — Dei as costas e fui me afastando. — Posso muito bem pegar um ônibus! — Exclamei, sem obter mais nenhuma resposta sua.

Ela só pode ter pedido a noção.


[...]


Já faziam mais de uma hora que o maldito ônibus não dava as caras e para ajudar a bateria do meu celular havia acabado. Comecei a sentir falta do meu carro e da minha bicicleta, se não fosse a teimosia do meu pai... Fora a carona da professora Francesa. Droga, eu deveria ter aceitado.

O ambiente estava tão escuro, as luzes dos postes não tratavam de iluminar tão bem o lugar e eu morria de medo de lugares assim.

— Ô céus, me socorra nesse momento. — Juntei as mãos e fechei os olhos. — Eu estou faminta e muito, mais muito, mais muito cansada. Envie seus Anjos na minha vida, por favor, amém! — Abri os olhos.

Quase que imediatamente uma luz de farol invadiu a minha visão, impedindo que eu enxergasse quem estava presente. O motorista ainda buzinou para mim.

— Droga, só pode ser sequestro. — Virei de costas, não podia correr nenhum risco, ainda mais que a sorte não estava do meu lado esses últimos dias.

Senti alguém me cutucar me fazendo dar um pulo com o susto.

— O quê foi? Parece que viu um fantasma.

Arregalei os olhos me deparando com a presença da professora Anna. Involuntariamente lhe abracei. Não sei o que aconteceu comigo nesse momento, mas eu senti que precisava daquilo agora. Achei que chegaria só no outro dia em casa, ou pior, que fosse assaltada.

— Como você me encontrou?

— Ah... Bom... Eu esqueci de comprar algumas coisas então tive que voltar. Esse ponto era o mais próximo do mercado então resolvi passar para ver se você já havia ido. — Senti sua mão repousar no meu cabelo. — Mas vejo que não.

Me afastei.

— Certo, mas sabe aquela sua história de me dar carona? — Abaixei a cabeça visivelmente envergonhada. — Será que ainda rola?

Ela riu.

— É claro. Entre.

Assenti indo até o seu carro, entrei primeiro e depois fiquei observando ela dar a volta.

— É melhor colocar o cinto.

— Antes me responda. — Pedi e ela assentiu. — Por quê você resolveu ser tão gentil comigo, assim tão de repente?

— Eu já falei, só me senti culpada pela forma tão ríspida que tratei você.

— Ah...

— Afinal, é normal ter paixonites por pessoas mais velhas uma vez ou outra. Na sua idade eu também era assim. — Sorriu ao notar meus olhos revirar.

— Você acha que isso não passa de uma fantasia. — Falei tão baixo que Anna não foi capaz de me escutar.

A mesma pediu para que eu colocasse o cinto novamente, como eu estava enrolando, ela fez isso por mim. Após se afastar, senti seu rosto bem próximo ao meu por alguns milésimos de segundos.

— Anna... — Chamei quase em um sussurro.

— Anna? Você nunca me chamou dessa forma tão informal. — Ela riu segurando o volante. — O quê foi agora?

Mordi o lábio inferior como se isso fosse aliviar meu nervosismo.

— Hum, se você acha que isso é só uma fantasia passageira... Por quê não me deixa tornar realidade somente uma vez? — Nossos olhares se prenderam no mesmo instante. — Só uma única vez, eu prometo.

— Rebecca... Isso é loucura. — Desviou seu olhar para os meus lábios. — E-eu não posso fazer isso...

— Por favor, Anna, só um beijo.

Anna engoliu em seco, apertou ainda mais o volante e resmungou algumas coisas que até então não fui capaz de entender.

— Você está me deixando louca, garota! — Tirou seu cinto. — Um beijo. Apenas um e nunca mais vamos tocar no assunto e muito menos fazer isso de novo, estamos entendida?

Balancei a cabeça positivamente.

Anna virou meu rosto delicadamente e após revisar sua atenção entre meus olhos e depois meus lábios, ela finalmente estava pronta para cela-los. Eu sentia como se fosse BV novamente e que fosse descobrir o prazer a qualquer momento com a mulher dos meus sonhos mais eróticos. Quando senti seus lábios sobre o meu, um calor se apossou de todo o meu corpo. Sua língua invadiu a minha boca descaradamente enquanto suas duas mãos seguravam o meu rosto. Nos afastamos quando o ar se fez necessário.

Nossas respirações estavam ofegantes. Anna não olhou mais em meus olhos depois que nos beijamos, ela só perguntou o endereço da minha casa e depois nós fomos embora.

Mas foi um dos melhores momentos da minha vida.

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