I

460 51 32
                                    


 Kiyoomi Sakusa acordou assustado, subitamente se sentando na cama, tentando acalmar o coração acelerado. Lembrava claramente de sair de sua casa apressado para a casa de sua irmã. Ele tinha ouvido alguém gritar seu nome, talvez, então olhou para o lado, no meio da rua, e se cegou por um tipo de brilho. Depois, mais nada.

 Aquilo fora tudo um sonho? Coçou a cabeça, se sentindo até que muito bem, mas com uma sensação estranha passando pelo seu corpo. Era como se de repente estivesse sentindo seu sangue fluir, como uma carícia em sua pele. Ele estava doente?

 Suspirou, finalmente dando atenção ao seu redor. Uma decisão ruim, levando em conta o tremendo susto que tomou quando não reconheceu o lugar onde estava. Ou melhor, reconheceu, mas aquele não deveria ser um lugar real.

– Que porra...?! – Xingou audivelmente, de novo com a cabeça embaralhada.

– Kiyo, você já está acordado? – Alguém bateu em sua porta. Aquela voz... por Deus.

– Vamos comer alguma coisa, amanhã será seu primeiro dia na Academia de Lovellin! – O rapaz abriu a porta o suficiente para falar, não esperou por uma resposta e saiu, como se não fosse nada. Como se ele não fosse Motoya Komori, um personagem de um jogo!

 Kiyoomi agradeceu por estar sentado, senão teria caído de novo. O que aquilo significava? Como isso era possível? Era exatamente como no jogo! O começo da história era na prévia de primeiro dia de aula, com o primo da protagonista a acordando. Quanto mais Kiyoomi pensava, mais sem sentido as coisas ficavam. Sentiu sua cabeça girar, e aquela sensação em sua pele ficou mais forte e instável.

 Sakusa tentou se acalmar. Ele era uma pessoa racional, céus! Que tipo de explicações ele teria para aquilo? "De repente apareci num mundo fictício no lugar de uma bela protagonista" era um absurdo imenso. Kiyoomi se beliscou uma vez, só pra ter certeza de que não estava sonhando, e ter a confirmação de que não estava foi pior ainda!

– Kiyo, vamos! Quanto mais cedo sair, mais cedo chegará ao campus. – Sakusa quis desmaiar.

 Se levantou calmamente, dirigindo-se para onde Motoya o esperava, até que Kiyoomi de repente percebeu algo desagradável: ele teria que improvisar. Como não sabia o que diabos estava acontecendo, teria que dar um jeito até descobrir, então o mais fácil era agir com normalidade. Que qualquer divindade que estivesse intervindo naquilo o desse paciência.

– Ei, você está bem? Eu sei que deve estar nervoso, mas não precisa se descontrolar, não é? – Motoya apontou ao entregar uma xícara de café a ele. Sakusa quis discutir, do que ele estava falando?

– Nem me olhe assim! Veja você mesmo, parece como quando descobriu seus poderes!

 Só então Sakusa notou que aquela coisa pelo seu corpo tinha ficado mais instável e ansiosa. Magia. A misteriosa magia de luz da protagonista agora era dele. O sangue de Kiyoomi gelou e a sensação morna parou, como se tivesse se assustado com a reação dele.

– ... Desculpe. – Sakusa não conseguiu olhar o "primo" nos olhos.

– Relaxa, Kiyo, vai dar tudo certo. – Motoya pareceu considerar algo. Seu semblante ficou mais obscuro quando busca os olhos de Kiyoomi. – Tome cuidado. Eu sei que você sabe, mas sua magia é rara e... só se mantenha protegido, ok?

 Sakusa se lembrava daquele diálogo. Era a introdução aos possíveis perigos que a protagonista sofreria ao tornar seu poder mais público. Ele não estava tão assustado assim, porque se abalar significava aceitar a sua... situação.

– Não se preocupe, Toya, eu sei me virar. – Falou a coisa mais genérica que pensou, mas pareceu deixar Motoya mais aliviado.

 Estranho. Normalmente, o primo da protagonista agia de maneira mais superprotetora, e ouvi-la falar algo assim o alarmaria, mas ele não pareceu se preocupar muito com Kiyoomi. Talvez... talvez as coisas não sejam exatamente como o jogo. Motoya não pareceu surpreso ao ver sua adorada prima se tornar um homem. Era como se ele sempre fosse assim, e Sakusa não queria saber no que isso implicava. Ele só queria voltar pra casa.

 Motoya o deu mais detalhes sobre a Academia e o entregou uma bolsa mágica. Sakusa deu uma risada sem humor, reconhecendo ela como a do ícone do inventário. Despediu-se de Motoya, abrindo a porta desanimado, com a esperança de que quando passasse por ela, tudo voltaria ao normal. Porém, a visão que obteve da rua foi ainda mais extraordinária do que o esperado.

 Era tudo idêntico aos cenários desenhados do jogo, mas com vida e movimento. Kiyoomi se lembrava bem de um casal de npcs que morava ao lado, eles eram simpáticos, mas nada que pudesse chamar muita atenção. Porém, agora eram eles que puxavam olhar de Kiyoomi.

 Ou melhor, elas.

 Um casal de mulheres! Elas pareciam muito confortáveis trocando carícias suaves e sorrindo uma para a outra. Quando notaram o olhar de Kiyoomi, abanaram com a mão, ainda abraçadas e despreocupadas. Aquilo... Sakusa corou por ter sido pego encarando e acenou timidamente. Procurou em volta, na busca por algum olhar descriminador ou preconceituoso, até que encontra... nada. Absolutamente nada, ninguém olhava para as duas uma segunda vez.

 Kiyoomi não pôde deixar de se sentir emocionado. Então havia alguma coisa boa naquele mundo, mesmo que Sakusa não se lembrasse disso no jogo. Seguindo em frente, ele viu mais um casal, dessa vez dois homens. Então um homem e uma mulher, depois mais duas mulheres. Todos camponeses, todos felizes e sendo tratados da mesma maneira. Era um absurdo para ele, que teve de enfrentar todo o tipo de preconceito em sua vida, então Sakusa se sentiu invejoso. Fechou os olhos com força, negando os sentimentos ruins e tentando apenas ficar feliz por eles.

 De qualquer forma, improvisar não parecia ter sido uma ideia ruim. Pensando bem, a Academia devia ter algo sobre trocas de corpo interdimensionais ou sabem os céus o quê. Se Sakusa quisesse informações, lá era o melhor lugar para pesquisar. Porém, para estar lá era preciso ir para lá, e Sakusa se lembrava muito bem do tamanho do mapa que ele deveria percorrer andando, por conta da falta considerável de dinheiro da protagonista.

 Suspirou, iniciando a caminhada.

 A rota, os npcs, as casas... tudo ali, vivo. A cabeça de Sakusa parecia ter se acostumado com tudo aquilo, no entanto. Se de repente alguém aparecesse com as mãos no lugar dos pés, ele apenas acharia engraçado. Seguiu seu longo caminho até a Academia, agradecendo por aquele corpo ser pelo menos um tanto atlético, extremamente parecido com o original.

 – ... – Kiyoomi deu uma pausa. Lembrar-se de sua vida anterior o deu mais energia para continuar o caminho, de repente sem mais vontade de amaldiçoar a pobreza da protagonista, que não podia arcar com uma carruagem.

Acordei em um jogo otome mesmo sendo homem!Onde histórias criam vida. Descubra agora