XII

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 Sakusa estava correndo. Fugindo. Ele tinha que correr, senão ele o pegaria. Não importava o quão rápido ele era, entretanto, aquilo chegava mais e mais perto.

 Aquela coisa. Alguém.

 Mas quem... quem seria? Sakusa não sabia, ele só sentia que tinha que correr.

 Enquanto corria até sentir suas pernas queimando, ocorreu-lhe que talvez usar um pingo de racionalidade faria bem. Ora, não tinham motivos para alguém persegui-lo, ele não precisava fugir! Sim, era isso. Estava tudo bem, esse sentimento não era verdadeiro.

 Então Sakusa desacelerou, parando com o tempo. Nada o pegou. Ele respirou fundo e olhou para a trás, hesitando com medo, mas convencido de que não teria nada.

 E ele estava certo. Havia apenas a escuridão por todos os lados, aquele tipo que não deu pra ver nem mesmo seus braços esticados. Sakusa se virou, aliviado.

 De repente, uma mão entrou em seu campo de visão e afagou sua cabeça. Alguém diante de seus olhos aparecera.

 Ele havia chegado.

 Sakusa acordou com um pulo, procurando por todos os lados aquele breu, aquela pessoa.

 Não havia nada, nem ninguém. Atsumu também não estava lá, e Kiyoomi não estava disposto a admitir que ele ficou um pouco desapontado por isso, dizendo a si mesmo que só estava curioso para saber como um belo príncipe parecia ao acordar.

 Belo ele havia deixado escapar. Só podia estar ficando louco mesmo.

 Ele sentiu seu coração desacelerar e tomou um banho gelado, na expectativa de se livrar da terrível sensação de mãos em seu corpo. Sakusa odiava contato físico, principalmente de estranhos macabros que o perseguiam em pesadelos.

 Sakusa então ouviu o barulho na porta, e desejou por um segundo que fosse o príncipe. Talvez seja por isso que ele correra até a porta, o coração voltando a bater forte em seu peito enquanto se vestia rapidamente.

– ...Motoya? – A surpresa tomou o lugar da decepção ao ver seu primo na frente da porta.

– Kiyo? Oh, graças aos Criadores. – Motoya colocou a mão sobre seu peito e suspirou aliviado.

– Você quer... entrar?

 O clima estava estranho. Apenas para Sakusa, no entanto, porque Motoya falava como sempre. Um certo tipo de angústia o consumia, tanta que ele quase não escutava as palavras de seu primo.

 De novo ele havia acordado e aquilo não era um sonho. Não era uma piada cruel, era sua realidade. Ele agora fazia parte desse mundo.

 Essa aceitação forçada fez algo acender dentro de si. Um calor confortável, que ele não se lembrava que possuía. Sua magia havia retornado, não como a noite passada, de maneira abrupta e agitada, mas suavemente. Ela parecia explorar o interior de Sakusa, que tentou não a reprimir, algo que percebeu fazer inconscientemente. Seria fácil para ele aprender a lidar com isso, entretanto. Ele conseguiria se tivesse ajuda, uma ajuda especial que lhe foi oferecida, diferente do jogo, o qual era Kageyama quem ensinava controle a protagonista, pelo menos até onde Sakusa avançou na história.

Deuses, ele realmente faria aquilo.

 Mas então... era isso? Ele aprenderia magia com Atsumu, estudaria uma forma de vencer o vilão e então... então nada. Ele não queria aquilo, nada daquilo. Ele estava cansado, ele queria ir pra casa, ele não aguentava mais.

– As coisas na loja andam bem agitadas. Parece que agora você é famoso. – Motoya riu quando colocou água quente sobre o chá em seu próprio copo.

 Sakusa o deu um olhar vazio.

 Não havia esperanças para ele mesmo. Ele não veria sua irmã se formar, não dançaria com ela em seu aniversário. Não a levaria ao altar para se casar, como prometera. Nem ao menos conheceria a pessoa que ela escolhesse para amar. Não iria vê-la se tornando a mulher forte e incrível que ele tinha certeza de que ela seria. Não daria netos a sua mãe, nem a chance de ver a si mesmo envelhecer. E, mesmo que fosse desesperançoso quanto ao amor... não teve nem a oportunidade de dar uma chance a ele.

– Kiyo... – Motoya enrugou as sobrancelhas.

Desde que Sakusa aceitou aqueles poderes e foi a Academia... ele mudou, e não foi para melhor. E agora ele parecia tão... miserável. Motoya suspeitava de que aquela magia estava ferindo a cabeça de seu amado primo.

 Então Sakusa se levantou e o abraçou, deitando sua cabeça em seu ombro. Motoya se assustou por um momento, mas o segurou de volta, sentindo seu corpo tremer levemente.

– Você disse que me visitaria...

– Me desculpe, primo. Me perdoe. – Sakusa soluçou levemente.

– Não se preocupe, Kiyo, não estou bravo com você. Só estou apenas... preocupado. – Kiyoomi se afastou e Motoya o segurou pelos ombros. – Essa sua magia, você sempre me diz que está tudo bem, mas eu sei que não está. Eu sei que você tem medo do que a falta de controle pode acarretar, sei o que aquele dia fez com você.

 Aquele dia?

– Você queria parecer forte, e você é, e muito! Então a magia voltou, você curou aquele guarda e recebeu o convite da Coroa... é uma proposta inegável, eu sei. É que... você não parece mais o mesmo. Parece cansado, infeliz.

– Toya... eu não quero mais. – Sakusa desabafou.

Seu primo nunca entenderia o verdadeiro significado de suas palavras, mas seu olhos brilham mesmo assim, repletos de compaixão, mas parecendo também esperançosos e aliviados.

— Eu... ontem a noite, quando recebi a carruagem, também recebi uma proposta da Coroa. Um emprego simples para nós dois, mas com um salário extravagante. Teríamos que nos mudar, mas vale a pena. – Motoya começou a falar mais rápido. – Seria muito bom, Kiyo. Você não precisa ficar nesse lugar, não precisa lidar com isso. Você pode ir pra casa.

 Algo estalou na cabeça de Sakusa. Céus, como ele queria chorar até perder todo o líquido de seu corpo, mas ele tinha que ficar. Tinha que lutar, mesmo que contra sua vontade. O futuro de Lovellin... aquela guerra, que poderia ser seu próprio futuro, ele não permitiria que acontecesse. Sakusa não havia pensado nisso antes porque nunca imaginou que permaneceria por muito tempo naquele mundo, mas agora... Ele ficaria, e aprenderia a lidar com seu próprio luto.

 Sozinho, provavelmente. Mas isso não era nada muito diferente do que ele tinha no passado.

– Não posso, Toya. É melhor assim. – Sakusa não podia explicar o motivo, isso alarmaria seu primo desnecessariamente.

 Além disso, talvez... só talvez, ele teria aquilo que havia perdido: uma vida.

– Kiyo, por favor... – Mas Motoya sabia que era uma luta perdida. E, para falar a verdade, aquele pequeno brilho de determinação que de repente nasceu em Sakusa foi mais do que teve em meses de seu primo.

– Eu posso te mostrar a Academia. As pessoas de lá são meio esnobes, mas o lugar é bonito. – Sakusa mudou de assunto.

 Era isso. Kiyoomi havia escolhido ficar, escolhido lutar. O caminho mais difícil, mas o mais recompensador no futuro. Ou pelo menos era isso que Motoya teve que pensar para não sofrer com a decisão dele.

– Eu tenho que voltar. A Coroa me disponibilizou um assistente para cuidar das coisas quando ofereceu uma carruagem para eu visitá-lo, mas eu ainda preciso ir para a loja. – Motoya foi até a porta, sem encostar em sua xícara de chá. – Se cuide, Kiyoomi. Estarei aqui se precisar.

 Se mudar de ideia, foi o que ele não precisou dizer. Sakusa o conhecia bem o suficiente para entender que ele estava indo embora porque havia ficado desconfortável. Desde no jogo, Motoya sempre fora extremamente sensível quando o assunto era sua prima, e Sakusa ficou um tanto feliz por saber que isso não tinha mudado. Porém, agora se fazia difícil não preocupá-lo até a morte.

 Sakusa suspirou. Sua nova vida seria difícil.

Acordei em um jogo otome mesmo sendo homem!Onde histórias criam vida. Descubra agora