O primeiro canto dos passarinhos naquele novo dia que começava, despertou Anne. Era o terceiro dia após o acidente de Gilbert e naquele dia ele estaria livre de seu curativo no ombro, o que ele esperava com ansiedade que acontecesse, pois ela podia perceber o quão impaciente seu namorado ficava naquela situação de inatividade.
Ele andava irritadiço e manhoso ao mesmo tempo, exigindo mais da atenção de Anne do que antes. O problema era que não podia entrar e sair do quarto dele a toda hora, pois faria John suspeitar que ela e Gilbert tinham uma relação muito mais íntima do que o testamento de William exigia, e queria escapar do julgamento de seu tio o quanto pudesse.
Anne piscou várias vezes antes de conseguir abrir os olhos, e quando o fez, ela dirigiu seu olhar diretamente para o relógio. Eram seis da manhã, e lá fora a escuridão abria espaço para o sol brilhante que dava boas vindas às planícies e a região que ainda conservava certo verde natural, apesar do inverno já ter se iniciado a alguns dias.
O inverno naquela região não era tão severo como em outras partes do país, mas ainda assim, as temperaturas caiam drasticamente em alguns períodos, tornando a sensação térmica um pouco desagradável, mas não tão insuportável que não pudesse fazer as atividades normais do lado de fora.
Ela olhou para Gilbert que ainda dormia, e decidiu sair da cama antes que ele acordasse e toda a casa também. Ela passou as últimas duas noites com ele, pois o rapaz se recusara a aceitar dormir sem ela. Assim, para não despertar suspeitas, Anne ia para o quarto dele quando todos já tinham se recolhido, e voltava para seu quarto logo que o dia amanhecia.
Era uma situação complicada, a qual não queria estar vivendo. Amava Gilbert demais para se afastar dele, mas ao mesmo tempo não queria ficar naquela casa, onde não se sentia à vontade para fazer o que quer que fosse.
Não tinha nada de seu ali, a não ser as coisas que trouxera consigo de sua antiga casa. Todo o resto era emprestado, temporário ou sequer podia ser tocado por suas mãos, porque não era uma Blythe de sangue, e mesmo que John não jogasse em sua cara tão explicitamente esse fato, o olhar dele sempre lhe mostrava o que ele pensava dela.
Anne estava cansada dos rótulos que lhe colocavam. Não era e bem seria como sua mãe. Podiam ter algumas coisas parecidas em seu temperamento, mas suas personalidades eram bastante distintas. Anne não tolerava injustiças, e se tivesse sabido de toda aquela história confusa que envolvia Bertha e os moradores daquele lugar, teria tentado descobrir até que ponto aquilo tudo era verdade. Ainda não desistira disso e embora Gilbert tivesse lhe dito que certas coisas não deviam ser desenterradas, pois poderiam magoá-la mais do que lhe fazer bem, ela queria ao menos saber se a imagem que tinha de sua mãe era equivocada.
Não podia ter vivido tanto tempo ao lado de alguém, e não ter percebido que ela era totalmente diferente do que pensava. Anne ainda acreditava que sua mãe era a mulher carinhosa e honesta que amara em seus dezenove anos de vida.
Cuidadosamente, a ruivinha saiu da cama, refreando sua vontade de deixar um beijo nos lábios de Gilbert antes de ir para o próprio quarto. Se o fizesse, ele acordaria e insistiria para que ela ficasse um pouco mais e isso não daria certo. Seu namorado perdia a noção do perigo quando estavam juntos, e se comportava como se pudessem fazer o que quisessem ali dentro, sem limite algum. Anne tinha medo que toda essa impetuosidade dele causasse um estrago maior do que estava preparada para lidar. Contudo, Gilbert era teimoso assim como ela, e não aceitava nenhuma imposição ou regra, e só estava ainda respeitando a vontade de Anne de não contar sobre o relacionamento deles para todo mundo, porque não queria aborrecê-la.
Ela por fim colocou um roupão por cima de sua camisola, deu uma última olhada em Gilbert e saiu para o corredor, tentando não fazer nenhum ruído, pois os empregados começavam sua jornada cedo dentro da casa da fazenda.
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The Tutor- Anne with an e
FanfictionA Fazenda dos Blythe fora o paraíso dourado de Anne até seus dez anos de idade, onde ela desfrutava de uma infância feliz ao lado de sua mãe, de seu padrasto, sua meia irmã Ruby, cinco anos mais nova, e Gilbert Blythe, por quem nutria uma paixonite...