Anne nunca pensou que seria tão divertido morar com seu avô. Ela não se lembrava de essa faceta engraçada que ele vinha mostrando nos últimos dias, e era exatamente desse tipo de leveza que estava precisando naquele ponto de sua vida.
Naquele instante, ambos estavam na cozinha, onde Marilla Cuthbert era a rainha absoluta, não os acompanhava, pois ela havia viajado por alguns dias e não tinha dito quando voltaria. Anne nunca tivera muito contato com a irmã de seu avô quando era mais novo.
A expressão sisuda no rosto enrugado nunca a animara a se aproximar. Marilla lhe causava medo naquela época, e sempre que ela aparecia quando estava na companhia de Matthew, Anne dava um jeito de desaparecer.
Agora, pensando sobre seu comportamento, a ruivinha percebeu seu exagero. Marilla era só uma mulher que não gostava de desperdiçar seu tempo com conversa fiada. O que ela gostava mesmo era ficar em sua cozinha, testando receitas novas. Esta era a única distração que lhe agradava, além de seus bordados.
Apesar de seu jeito sério e de poucos sorrisos, Marilla tinha um imenso coração. Era solidária e prestativa, e nunca se recusava a ajudar alguém em caso de necessidade. Poucas vezes, Anne a ouvira dizer não a alguém e, do mesmo jeito que ela podia ser enérgica e autoritária, também ofertava seu apoio na mesma intensidade.
― O que acha de fazermos as panquecas de sua mãe? ― Matthew perguntou, limpando as mãos no avental imaculadamente branco .
Seu avô tinha um ritual todo especial para cozinhar. Além do avental, ele também usava luvas e um chapéu de chef na cabeça, que lhe dava um certo ar cômico, quase provocando em Anne um acesso de riso.
― Algum problema? ― Matthew perguntou, observando o leve franzir de testa de Anne, que se controlava para não soltar uma grande gargalhada.
― Não, acho sua ideia das panquecas muito boas. Gilbert adora. ― Anne respondeu, limpando uma mancha de farinha de sua camiseta com um guardanapo de papel.
― Espero que ele venha para o lanche da tarde. Você me disse, que ele não trabalharia o dia todo hoje.
― Sim, ele vai me levar para Los Angeles. Preciso resolver sobre o meu trabalho e a faculdade. Eu já conversei com meu chefe por telefone sobre isso. Ele disse que deixaria os papéis de minha demissão prontos para que eu pudesse assiná-los ainda esta semana. Mas quero resolver tudo isso logo. Não quero perder mais um dia na faculdade. ― Anne respondeu, misturando os ingredientes da panqueca com uma colher de madeira.
― Eu fico muito satisfeito de que tenha voltado, mas você tem certeza de que quer ficar em Terracota? John não é um homem muito fácil e tenho medo do que ele pode fazer com você nestas terras. ― Matthew disse, olhando-a com preocupação.
― Eu tenho a pessoa que mais importa do meu lado. John não se atreveria a passar por cima de Gilbert depois da conversa que tiveram. Apesar do homem terrível que ele é, o pai de Gilbert o respeita e isso é o que mais admiro na relação dos dois. ― Anne respondeu, adicionando mais farinha à massa de panquecas que estava fazendo.
John Blythe era um homem muito duro. Talvez os anos e os revés da vida o tivessem deixado assim. Quando ela tinha dez anos, se lembrava dele como uma pessoa de fala mansa e educada. Dificilmente o via irritado com alguma coisa ou sendo intransigente com alguém. Anne não entendia como ele se tornara essa pessoa detestável e autoritária. Esse John Blythe de agora não se assemelhava de forma nenhuma com o tio que um dia ela estimara.
― Espero que esteja certa, porque você está sob minha proteção agora e, se ele fizer algo contra você, terá que acertar contas comigo também. ― Matthew disse em seu jeito calmo de ser, mas Anne conseguiu sentir a firmeza de suas palavras.
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The Tutor- Anne with an e
Fiksi PenggemarA Fazenda dos Blythe fora o paraíso dourado de Anne até seus dez anos de idade, onde ela desfrutava de uma infância feliz ao lado de sua mãe, de seu padrasto, sua meia irmã Ruby, cinco anos mais nova, e Gilbert Blythe, por quem nutria uma paixonite...