Capítulo 40

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Mesmo um mês depois da chegada de Leah, a casa inteira ainda parecia estar aliviada, como se as próprias paredes tivessem finalmente conseguido respirar da tensão palpável que as tinha dominado desde a carta enigmática de tio Elijah. Annie, no entanto, estava um pouco perdida naquela nova configuração de rotinas.

Ela entendia, é claro, que Noah preferia passar seus dias com a mãe, isso era óbvio, mas ela estava sentindo falta de seu melhor amigo. Oliver e Chris eram maravilhosos, mas Noah era o primeiro de seus garotos com quem ela tinha construído um laço e isso não se quebraria tão fácil. Talvez fosse por isso que ela se encontrara vagando pelos corredores do primeiro andar naquela tarde de inverno.

A neve ainda não derretera — o que não ia acontecer antes do final de março —, isso a impedia de passar seu tempo pintando na Casa Secreta e Annie estava inquieta sem poder criar. Ela tinha seu material de pintura na mansão, era verdade, mas Annie estava impaciente, esperando que alguma coisa acontecesse. E foi vagando como um fantasma pelos corredores da mansão de sua família que Annie acabou flagrando a conversa entre Caroline, Leah e Loren.

As três pareciam ter se juntado tão logo Leah chegara de viagem, quase como se fossem amigas de infância e, apesar de essa descrição se encaixar para Caroline e Leah, Annie ainda estava tentando entender o motivo por trás da civilidade e até mesmo afabilidade que Loren vinha tendo para com todos eles nos últimos meses. Era estranho e cruelmente difícil de digerir e Annie se perguntava o que a mãe poderia querer com aquilo, sem confiar que o comportamento dela fosse realmente verdadeiro.

Aquele dia em especial era o dia em que as três se reuniam para conversar e se conhecer — pelo menos aquela tinha sido a justificativa de Caroline ao expulsá-los da sala que elas usavam das últimas que eles tentaram entrar. Annie se aproximava do lugar quando ouviu seu nome e se aproximara, incapaz de prender sua própria curiosidade: na ponta dos pés, ela deslizou ao lado da parede para chegar mais perto da porta entreaberta e poder ouvir o que estava sendo falado entre as três mulheres.

Annie apenas esperava que Marjorie ou Jamie não acabassem por flagrá-la ali: o mordomo não seria tão ruim, mas a governanta provavelmente iria expô-la para as três mulheres e ainda lhe dar um sermão sobre os perigos e os pecados da fofoca — algo da qual Annie definitivamente não precisava.

— Eu não sei o que me dava, era apenas que eu ficava tão ridiculamente furiosa todas as vezes que tinha que olhar para Annie, porque eu sempre me lembrava que eu não queria aquilo, que durante minha gravidez inteira eu não tinha conseguido respirar direito, que aquilo foi um inferno que apenas continuou enquanto Annie era bebê e que eu estava falhando em todos os sentidos. — Loren dizia em um tom de voz tão baixo que Annie quase não ouviu, mas ao processar as palavras, seu estômago pareceu revirar dentro dela. — Eu sabia que era completamente irracional, mas não conseguia me controlar e quando percebia, eu já tinha dito ou feito alguma coisa cruel com ela e, com o tempo, isso começou a virar tanto uma regra que eu acho que acabei me acostumando com o papel de vilã. Mas a verdade é que eu odeio isso, eu não era assim, mas eu não sei como voltar a ser a Loren que eu adorava ser.

A confissão fez com que um nó se formasse na garganta de Annie e ela quis sair dali o mais rápido que conseguia, mas seus pés pareciam plantados no chão e, do mesmo jeito que em um pesadelo, ela foi obrigada a ouvir enquanto elas falavam.

— Para todos os efeitos, eu deveria sentir coisas negativas sobre meus filhos, até porque os gêmeos e Noah não foram exatamente queridos depois que eu descobri sobre minha gravidez, por motivos que são totalmente diferentes dos meus filhos em si mesmos. — A voz de Leah estava tão baixa quanto a de Loren. — Mas eu não sei, eu não consigo não amá-los. Não consigo enxergá-los como uma parte do abuso de Ben Ami como ele gostaria que eu visse. Eu vejo meus filhos como as únicas coisas que me fizeram continuar quando tudo o que eu queria fazer era desistir de tudo e simplesmente sumir. Eles foram aqueles que sempre me deram força para continuar insistindo.

Aos Poetas Decadentes - Volume 2Onde histórias criam vida. Descubra agora