Capítulo 35

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No dia seguinte, todos eles estavam com as próprias mentes concentradas no mistério que era aquele escrito na parede, principalmente agora que eles suspeitavam de Marjorie. A governanta, no entanto, não pareceu particularmente receptiva a nenhum deles durante o café da manhã, ainda chateada — Annie supôs — com o que havia acontecido no dia anterior.

Annie, no entanto, não conseguia achar dentro de si mesma a vontade de se defender para a governanta — Marjorie a magoara falando com ela do jeito que falara, olhando para Annie do jeito que olhara. A garota ainda tinha problemas para conseguir entender que a mulher que a criara muito mais do que sua mãe a havia maltratado daquela maneira, enquanto Loren, que sempre havia sido a causa da maior parte dos pesares de Annie a havia defendido.

Ela notara, no entanto, as olhadelas furtivas de Caroline e Loren em sua direção, como se as duas mulheres estivessem falando sobre Annie antes que ela chegasse — algo da qual ela não duvidava. Desde o casamento, ver Caroline e Loren trabalhando juntas ou apenas conversando como duas amigas tinha ficado cada vez mais comum, o que era inusitado para Annie, porque sua mãe não costumava ter amigas, apenas conhecidas ou pessoas de quem ela podia comprar alguma coisa que precisasse ou quisesse.

Annie não conseguia se lembrar de uma única ocasião em que Loren recebera em casa alguma pessoa que ela tenha chamado de amiga e isso, quando ela parava para pensar, era muito estranho — além de profundamente solitário. Principalmente porque Elliot estava quase sempre recebendo amigos da época da faculdade ou que vinham da cidade. Aquilo, por algum motivo, não parecia certo para Annie.

Mas qualquer pensamento sobre o assunto sumiu de sua mente uma vez que ela e seus garotos chegaram à biblioteca após o café da manhã para sua aula com Caroline. A mulher estava, basicamente, revisando alguns assuntos com eles, especialmente porque, assim que a guerra acabasse — como ficara combinado com os pais de Chris, Oliver e Noah —, todos eles iriam tentar ir para a faculdade.

Annie, no entanto, ainda não sabia se seria autorizada por seus pais a ir, mesmo que tivesse brigado toda a sua vida por isso. Até aquele momento, nem seu tio Elijah, nem Elliot haviam falado coisa alguma sobre aquele assunto. Mas com a guerra em seu pior momento até agora, era natural que eles não estivessem pensando sobre aquilo, então Annie também não havia trazido o assunto à tona.

Ao se sentar — ela, Chris, Oliver e Noah de um lado da mesa, enquanto Edward estava do outro —, Annie notou que O Mercador de Veneza, de Shakespeare, estava diante do lugar onde Caroline sempre ficava em pé. Eles estavam discutindo a obra do autor mais famoso de todo o Reino Unido, embora, como uma boa escocesa, Annie preferisse muito mais as poesias de Burns em vez do teatro do Bardo.

Meu amor, como rosa vermelha-vermelha... o poema que ela conhecia tão bem ecoou como uma melodia na mente de Annie enquanto Caroline cumprimentava todos eles e introduzia sua aula do dia. Annie, no entanto, só começou a prestar atenção real quando a tia disse:

— Eu gostaria de discutir com vocês hoje a retratação da cultura judaica nesse livro e o impacto que as obras de Shakespeare pode ter tido na visão inglesa e europeia cristã das pessoas que vêm de uma cultura judaica. — Disse Caroline calmamente, O Marcador de Veneza agora em suas mãos. — Eu achei o tema bastante atual, mas nós podemos discutir alguma outra coisa se vocês não quiserem.

Annie sorriu um pouco diante disso — assim como seu tio, Caroline era muito mais do tipo de professora que dava autonomia para seus alunos, o que era reconfortante ao mesmo tempo que era embaraçoso. Era bom ser ouvida quando havia tantos professores que sempre agiam como se soubessem tudo o tempo todo, mas havia dias que ela só queria escutar alguém falando e absorver esse conhecimento quietamente, como quando ela lia um livro.

Aos Poetas Decadentes - Volume 2Onde histórias criam vida. Descubra agora