Capítulo 60

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Da janela do quarto de Annie, era possível ver o jardim lateral da mansão, uma informação que ela tentava manter para si mesma, porque a verdade era que a visão dos jardins de Taigh Hill era completamente deslumbrante demais para ser dividida. Dali mesmo, Annie podia ver as treliças das rosas vermelhas ao lado dos pequenos quiosques e os caminhos de pedra que os levavam de um lado a outro da mansão — e, o que era sempre mais interessante, embora a vista fosse de fato linda, ela podia ver o jardineiro trabalhando.

Apesar de o senhor McCabe já beirar os sessenta anos e não ser nada apelativo para Annie, ele frequentemente trazia seu filho, Aaron, para ajudá-lo nas tarefas mais cansativas — e o garoto da idade de Annie era bonito como o pecado, por isso ela frquentemente olhava pela janela de seu quarto nas raras tarde em que se encontrava ali. Mesmo assim, não era o filho do senhor McCabe que Annie estava observando naquela tarde, mas Marjorie, que, para sua surpresa eterna, estava fazendo uma caminhada. E, curiosamente, acompanhada da senhorita McCabe, irmã mais nova do jardineiro.

Desde que se mudara de Taigh Hill no ano anterior, Marjorie estava parecendo cada vez mais leve, apesar de seus protestos e resmungos sobre aquilo ser uma perda de tempo e dinheiro desnecessários. Annie ainda não falara com ela desde a solução de Elijah e Caroline — além do que era estritamente essencial, pelo menos —, principalmente porque sabia que como seria recebida depois de tudo: Marjorie parecia estar mais solta, sim, mas não o suficiente para que Annie arriscasse ser vulnerável com ela de novo.

A companhia da irmã do jardineiro, no entanto, parecia chamar o melhor em Marjorie: enquanto caminhavam lentamente pelo jardim, Annie podia ver Marjorie conversando inflamadamente com a mulher ao seu lado e ela quase podia provar na ponta de sua língua as risadas altas das duas, mesmo do segundo andar. A paz que Marjorie parecia estar sentindo um sorriso aos lábios de Annie: ela estava contente pela mulher que fora sua figura materna desde sempre, é claro que estava. Mesmo assim, Annie podia sentir o peso da melancolia em seu peito, como uma ânsia para se sentir assim e que doía quando ignorada, ainda que Annie não fizesse ideia de como consertar aquilo.

Com um suspiro, Annie se afastou da janela, deixando que a cortina se fechasse e bloqueasse sua visão do jardim. Ela se virou, pronta para procurar uma roupa para o jantar daquela noite, mas parou assim que viu Loren parada no batente de seu quarto — Annie nem mesmo ouvira a mãe abrir a porta, mas aquilo não parecia importar. Para dizer que a presença de Loren em seu quarto era surpreendente, Annie ainda teria que amenizar muito o que ela estava sentindo. Mesmo assim, tudo o que ela perguntou enquanto sua mente descia uma espiral de pensamentos ruins foi:

— Eu... posso ajudar com alguma coisa, mãe?

Por um momento, Loren pareceu muda, incapaz de falar coisa alguma e presa ao quadro da porta como uma pintura de uma menina acuada, tanto que Annie quase se resignou a deixá-la entrar, lembrando das palavras de seu pai no mês anterior. Mas então determinação perigosa brilhou nos olhos de Loren, que se aprumou, olhando Annie nos olhos ao falar:

— Eu preciso dar uma notícia a vocês durante o jantar e isso vai ser difícil para mim. — Annie lutou para não ficar boquiaberta diante da vulnerabilidade presente naquelas palavras, denunciadas no leve tremor que havia nelas. Loren engoliu em seco. — Será que eu posso pedir que você e os seus amigos tentem ser compreensivos com isso? Eu sei que nós temos um histórico ruim e sei que falhei com você em todos os sentidos e não tenho direito de te pedir o que quer que seja, mas... isso vai ser realmente difícil para mim, Annie.

Ela não soube o que falar por alguns segundos, piscando para o semblante cheio de súplica silenciosa de Loren. A primeira reação de Annie foi raiva: como sua mãe ousava pedir qualquer coisa para ela depois de tudo o que havia lhe causado? Além disso, se todas as coisas que Loren poderia ter lhe pedido, ela pedira compaixão. A mente de Annie parecia ter congelado dentro do cérebro dela, tentando processar o que ela acabara de ouvir.

Aos Poetas Decadentes - Volume 2Onde histórias criam vida. Descubra agora