Capítulo 68

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Durante boa parte dos meses seguintes à sua descoberta sobre o verdadeiro caráter de seu pai, Annie chorou em várias ocasiões por vários motivos diferentes e contrários entre si — saudade do relacionamento que tinha com Elliot, raiva pelo que ele fizera, frustração por não conseguir corrigir aquilo, preocupação pelo dinheiro que ele roubara, felicidade por não estar falando com o pai, culpa por estar se negando a falar com ele.

Os motivos eram incontáveis, quase infinitos em sua essência, mas uma coisa sempre permanecia: o fato de que Annie não estava sozinha em sua tristeza. Por chance ou porque eles realmente estavam preocupados com ela, um de seus garotos ou Ellen sempre pareciam estar lá para ela quando Annie precisava de um ombro no qual chorar, algo pela qual ela era especialmente grata.

Não demorou, no entanto, para que uma verdade intrínseca a Annie começasse a brilhar no horizonte de sua tristeza, uma verdade que ela queria e ao mesmo tempo não queria ignorar — a de que sua vida era muito melhor sem Elliot nela. Desde que começara a limitar seu contato com o pai, a ansiedade que havia se tornado uma regra na vida de Annie havia retrocedido quase miragrosamente, isso sem falar em como ela estava começando a perceber o quanto tinha se esquecido de si mesma.

Annie tinha se esquecido da satisfação que havia depois de um dia inteiro pintando em seu estúdio e então voltar para casa sabendo que não haveria ninguém para falar que ela deveria se concentrar em algo mais produtivo ou adulto. Ou que ela deveria perceber que havia pessoas muito mais talentosas do que ela ao redor do mundo, que ser uma artista era uma questão de sorte muito mais do que habilidade, pouco importava que ela às vezes ficasse com cãibras nas mãos de tanto pintar, pouco importava as horas, dias, semanas que ela gastava para garantir que sua arte estivesse perfeita — e em quantas vezes isso dava certo (poucas demais).

Não era que Annie não soubesse que aquilo era verdade — ela sabia —, mas tinha assumido a responsabilidade por aquela possibilidade quando decidira que queria ser uma artista. Talvez Annie realmente não fosse conseguir um lugar de destaque como uma pintora mas ela aceitara aquele risco a tempos, então não conseguia entender o motivo de Elliot sempre querer trazer aquilo à tona, como se fosse mudar alguma coisa.

Mas é claro que não era tão fácil se manter longe do pai: mesmo que estivessem brigados, tio Elijah e o pai de Annie ainda eram irmãos, e Taigh Hill era a única casa que Elliot conhecera a vida inteira. Ela sabia — e concordava com tal decisão — que Elijah não expulsaria seu pai dali a menos que algo muito grave acabasse ocorrendo. Mas, apesar de Annie concordar com aquilo, ainda fazia com que fosse muito mais difícil para ela se manter a dinstância.

Elijah e os outros faziam o que podiam, mudando o local de jantar dela, Ellen e de seus garotos para um outro lugar, assim como tentava manter Elliot ocupado — uma das estipulações de Elijah para que ele não procurasse a polícia pelo roubo da poupança de Ellen e Annie fora que Elliot teria que começar a trabalhar e fazer algo de sua vida. Não era muito comum, portanto, que Annie acabasse encontrando seu pai, mas as vezes em que aquilo de fato aconteceu estavam gravadas em sua memória com ferro em brasa.

Esse é um tempo precioso que não volta, Annie. Eu sou seu pai, nós samos família, e família não deveria se tratar desse jeito.

Eu não entendo porque você está se comportando assim, é só um pouco de dinheiro. Nós podemos recuperar, diferente do tempo que nós estamos perdendo com você se comportando desse jeito.

Você está escolhendo o mesmo caminho da sua mãe e vai acabar se arrependendo amargamente. Esse é o caminho do fracasso, filha.

Annie não sabia o que a deixava mais chocada e revoltada com o pai: o fato de que ele achava as ações dele perfeitamente aceitáveis ou a liberdade com que ele parecia falar mal de outras pessoas — pessoas que um dia Elliot alegara amar — perto dela. Annie podia não ser uma expert em relacionamentos, mas, para ela, era extremamente incômodo ouvir de uma pessoa que alegava amar sua mãe o quanto ela tinha fracassado na vida — como se aquilo fosse sequer verdade.

Aos Poetas Decadentes - Volume 2Onde histórias criam vida. Descubra agora