32 | todas as quatro paredes estão desmoronando

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A ideia de equilíbrio sempre me pareceu muito natural.

O bem e o mal precisam coexistir. Alegrias e dificuldades também, ou Deus e o Diabo, para quem acredita. Talvez essa seja a premissa básica para o funcionamento do universo — e talvez a quebra dessa harmonia seja a causa de estarmos colocando nosso planeta e nossas existências em um caminho em direção à completa destruição.

De qualquer forma, o que me faz retomar o pensamento não é uma súbita, porém justificável, preocupação com o futuro do planeta água. Dessa vez, tenho uma motivação mais egoísta: minha própria vida.

Aos vinte e três, eu finalmente tomei a coragem de correr atrás do meu sonho. E mesmo que o pagamento pelos ensaios fotográficos ainda não seja nada comparado ao status de vida que sempre desejei, a sensação de estar fazendo algo que gosto é incomparável.

Ainda do lado positivo da linha, acho que posso citar meus amigos. Apesar de alguns desentendimentos aqui e ali, eu sei que estou cercada por boas pessoas.

E por último, mas definitiva, absoluta e terminantemente não menos importante: Simone.

Ser namorada de Simone é, provavelmente, a coisa que menos esperava em minha vida. Ao mesmo tempo, é a que me faz mais feliz. Eu nunca estive em um relacionamento tão completo e que me fizesse tão bem, onde amizade, tesão, confiança e carinho se misturam na proporção perfeita.

Namorar Simone é tudo que eu jamais imaginei que poderia desejar.

Simultaneamente, é o que eu mais desejo preservar, agora que provei um pouco do que ela me proporciona.

Então eu poderia dizer que estou indo bem. Eu estou indo bem. Mas toda a conversa do equilíbrio ainda persevera. Bem contra mal. Alegria contra tristeza.

Meu trabalho, meus amigos e Simone... contra meus pais.

No início da semana, eu tive meu último ensaio fotográfico com Naomi e Nabi.

Toda a equipe da empresa parceira que nos escolheu nos elogiou, e nós todas estamos ansiosas para vermos nossas fotos ilustrando a nova campanha de turismo na cidade. Com essas atividades encerradas, deusa Gaia me chamou ao estúdio e me apresentou uma nova proposta para uma outra campanha.

É claro que eu aceitei com alegria emanando de cada poro, porque ela deixou claro que o feedback da última empresa foi decisivo para me escalar para mais um trabalho.

Antes mesmo de sair do estúdio, eu liguei para Simone. Eu sabia que ela estava trabalhando, mas a euforia foi tanta que precisei compartilhar com ela na mesma hora. E então ela comemorou comigo, enquanto ao fundo ouvíamos sua colega de trabalho gritando para ela sair do telefone.

Foi um daqueles dias em que você se sente imbatível no topo do mundo, mas então a queda vem. E, como o histórico mostrou ser algo bastante frequente, os responsáveis por me arrastarem para baixo foram meus próprios pais.

— Nós estamos cansados, Soraya. — Minha mãe disse, semanas depois de não me dar nada além do tratamento de silêncio. — Você é um peso que não vale à pena carregar. Nós já tentamos tanto, e você continua insistindo em ser uma parasita que só se aproveita dos pais.

O desabafo veio, claro, depois de descobrir que o filho de um dos seus sócios, ainda mais jovem que eu, foi honrado como o estudante mais destacado de uma instituição de ensino renomada. Para ela, é inaceitável que seus colegas possam se vangloriar dos feitos de seus filhos, enquanto sua filha só traz vergonha.

E é claro que revelar que eu estou, sim, trabalhando não é uma opção — porque trabalhar como um modelo fazendo campanhas para agências de viagem, em sua mente interessada apenas em status, é tão vergonhoso quanto ficar enfurnada no quarto coçando a bunda o dia inteiro. Quiçá, é ainda pior.

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