33 | latindo para a árvore errada

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Meu rosto continua ardendo. Eu continuo encolhida na mesma posição, sem força para levantar. Sem força para pensar no que fazer a seguir.

As sacolas com as compras continuam caídas no chão ao lado da porta de casa como um lembrete maldoso do quanto eu sou estúpida.

Mais cedo, eu me senti culpada por comprar essas roupas com o dinheiro de meus pais. Claro que eu poderia comprar coisas mais baratas com meu próprio dinheiro ou simplesmente não comprar nada. Mesmo assim, eu cedi às facilidades da vida sustentada por eles porque foi assim que eu cresci. Essa sempre foi a minha realidade. Ter dinheiro sempre foi algo que considerei um fato imutável em minha vida.

Querer usar apenas meu dinheiro foi apenas uma decisão movida pelo orgulho.

Apenas uma forma de me convencer de que eu dependo menos de meus pais do que sempre acreditei que dependia — uma mudança tão frágil que deixar de viver sob o conforto de seu teto, com todas as regalias de uma vida abastada sequer passou por minha cabeça.

Agora, eu estou sendo chutada.

O que por pouco tempo foi uma opção, agora é algo que a mim será imposto. Isto é, caso eu não termine com Simone e faça exatamente tudo que minha mãe quer.

Duas opções.

Continuar com Simone e viver uma vida completamente longe dos luxos que tanto amo ou desistir dela e voltar a viver como sempre vivi. Sob amarras, mas rodeada de dinheiro e privilégios.

As duas me parecem indescritivelmente horrorosas. Mas uma é insuportável.

Ainda tremendo, eu procuro meu celular. Meus dedos falham em desbloquear a tela, até que finalmente consigo e abro a lista de contatos. O toque da chamada me faz soluçar ainda mais, porque a sensação de pedir ajuda a alguém agora me faz ter a certeza de que os danos, dessa vez, são irreversíveis.

Alô? — A voz familiar atende a chamada, o que só me faz me encolher ainda mais. Eu penso em desligar e lidar com isso sozinha, como sempre fiz, mas um novo soluço me denuncia e logo ouço sua entonação mais preocupada: — Soraya? Soraya, o que foi?

— Melinda... — Chamá-la é a única coisa que consigo fazer, engasgando com o choro alto antes mesmo de chegar à última sílaba de seu nome.

Soraya, pelo amor de deus! O que aconteceu?

— Vem me tirar daqui, por favor. — Eu peço, intercalando meu pedido aos sons dolorosos do choro incontrolável. — Por favor, Melinda, me tira daqui...

Você está em casa? — Eu tento dizer um sim, mas o som é inteligível. Mesmo assim, ela parece entender: — Me espera, eu já estou chegando!

A chamada é encerrada no mesmo instante. O silêncio da casa que sempre me sufocou tanto é a única coisa que escuto por longos e dolorosos minutos, mas eu prefiro isso a ouvir qualquer um de meus pais se aproximando novamente.

Eu estou com medo deles. Eu estou com medo do que mais podem fazer para me destruir ainda mais, se é que sobrou algo inteiro em mim depois dessa noite.

Ainda encolhida, tremendo como nunca tremi nem mesmo na noite mais fria que já enfrentei, o primeiro som que ouço é o de meu celular vibrando sobre o chão.

Quando vejo na tela a notificação de uma nova mensagem de Simone avisando que chegou em casa, eu choro ainda mais.

É como se isso viesse como um soco no estômago, me fazendo desejar ter a coragem de ligar para ela e contar tudo que aconteceu desde que entrei em casa.

Talvez, contar tudo que aconteceu desde que nasci. Toda a rejeição, as palavras duras, o menosprezo. Eu gostaria de compartilhar tudo com ela.

Mas eu não consigo.

AFRODITEOnde histórias criam vida. Descubra agora