40 | é escuro antes do amanhecer

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— Você nunca mais vai ver aquela aberração. — Minha mãe repete, dessa vez pegando a chave da porta do meu quarto.

Meu celular já está com ela e meu pai está pegando também meu notebook, levando-o debaixo do braço quando parado ao lado de minha mãe.

Eu continuo de pé, sem saber de onde vem minha força para não cair no chão. Mas eu queria usá-la para sair daqui, correr de volta para Simone e me livrar da prisão que é a vida dentro dessa casa. No entanto, as ameaças de meus pais me obrigam a continuar parada, sentindo meu coração se desfazer em pó, assim como toda a felicidade que construí.

E tudo que tive tempo de fazer, foi mandar uma mensagem para ela, para minha Simone.

Me dói como nada nessa vida imaginar como ela está se sentindo agora. Como deve estar confusa e machucada, se perguntando o que aconteceu, por que eu não vou voltar.

Me machuca sequer poder dizer para ela, porque meus pais não me deram essa escolha.

— Amanhã mesmo nós vamos até a universidade. Você vai recuperar o vínculo com o curso e vai se formar, depois começará a trabalhar comigo. Suas regalias acabaram para sempre, Soraya Thronicke.

— Eu já disse que volto! Eu disse que termino esse curso, trabalho como uma condenada e finjo ser a filha perfeita para que vocês se gabem para seus amigos. Eu faço tudo isso, mas por favor, me deixem falar com ela. — Eu tento mais uma vez, me sentindo sufocar a cada segundo que passa. — Ela merece uma explicação!

— Aquela aberração não merece coisa alguma! — Meu pai se enfurece, mas minha mãe logo o toca para que ele mantenha o tom de voz baixo para não ser escutado pelos vizinhos.

— Nós já vamos garantir um bom emprego para ela. Isso é muito mais que ela merece, depois de ter te corrompido como fez.

— Ela não me corrompeu! — A interrompo, furiosa e destruída por ouvi-la falar coisas tão ruins sobre uma pessoa tão boa. — Isso é o que eu sou!

— Você não é isso. Nós não te criamos dessa forma.

Meu corpo inteiro estremece. Não sei mais se é pela pressão baixa ou pela fúria, talvez pela combinação dos dois. A única coisa que sei é que eu preciso gritar, eu preciso colocar para fora todas as coisas horríveis que estou sentindo.

— Eu sou assim! — Insisto, sentindo minha visão turva pelo acúmulo de lágrimas. — A única coisa que Simone me fez, e eu sou muito grata por isso, foi me ajudar a ser uma pessoa melhor e de quem eu posso ter orgulho. Ela me faz feliz e vocês, como meus pais, deveri...

Minha voz se perde, quando sou interrompida no meio de minha declaração inflamada. No lugar, o que se ouve é o som do tapa que recebo no rosto.

— Cale sua boca. — Minha mãe diz, o rosto quase pegando fogo de tão vermelho.

— Não queremos te ouvir falar sobre aquela mulher nunca mais, ou não seremos tão compreensivos sobre as condições financeiras dela. — Meu pai ameaça, o que me faz calar imediatamente, quase me fazendo sentir que vou explodir.

Diante de meu silêncio sofrido, eles finalmente se dão por satisfeitos e começam a sair do quarto.

Antes de fechar a porta, minha mãe diz: — Esteja pronta para sair às oito, amanhã. — E então some de minha vista, me deixando com o som ensurdecedor da chave sendo passada pelo lado de fora.

Finalmente sozinha, eu me sinto tremer como se meu corpo estivesse entrando em colapso. Meus dedos parecem dormentes e eu soluço alto quando busco ar, imediatamente começando a dar vazão à dor dilacerante quando as lágrimas escorrem.

AFRODITEOnde histórias criam vida. Descubra agora