42 | aqui é onde pertencemos

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— Eu amo você, Soraya. Eu te amo todinha. Você é o amor da minha vida. De todas as minhas vidas.

Isso é basicamente o que eu estou escutando durante os últimos quinze minutos. E enquanto repete freneticamente que me ama, Simone me esmaga com seus abraços.

Mas não estou reclamando. Meu Deus, não estou mesmo. Isso aqui, esse abraço, essas declarações, o catarrinho de choro de alívio escorrendo pelo nariz dela... isso tudo é cura.

Isso é o que eu precisava, depois de tudo que passei durante as últimas semanas.

Depois de confrontar, de uma vez por outra, a realidade: meus pais não me amam.

Nunca vão amar.

E ainda que ser órfã de seu amor me machuque, amor não vai me faltar.

Depois de hoje, eu tenho certeza. Depois de ver todas essas pessoas aqui, determinadas a me ajudar, pedindo nada em troca além da minha felicidade, eu sei: Amor, eu tenho de sobra.

— Você tem que ver nossos filhos e nosso neto. — Simone continua, quase intercalando cada palavra a um novo beijo em minha bochecha. — Já tem um gominho novo nascendo em Gominho.

Eu estou quase encolhida em seu colo, sob o olhar de nossos amigos. Me sentindo tão indefesa que até me pergunto: como diabos já sou mãe?

Ainda maior é a seguinte dúvida: como eu aguentei de saudade de estar assim?

Cercada de amor, olhares carinhosos, palavras de apoio? Como eu sobrevivi a todos esses dias sem o cheirinho de camomila no cabelo de Simone, sem falar com Melinda, sem ouvir as piadas de Theo sobre minha antiga, suposta e equivocada heterossexualidade.

Há menos de quinze minutos, eu anunciei que vou tentar me livrar das garras de meus pais.

Há quinze minutos, eu estou me sentindo a mulher mais livre do mundo.

Ainda antes de tentar, ainda sem a certeza de que dará certo. Eu me sinto livre, porque tenho pessoas para me ajudar. Eu não estou sozinha, nunca estive, mesmo quando todo o isolamento me fez acreditar no contrário.

— Nós ainda temos muito a organizar. — Finalmente, outra pessoa fala. É Sofia.

Ela é a primeira, porque até então a única a falar, foi Simone. No começo, foi até difícil entender o que ela estava falando. Simone chorou tanto, mas tanto, que engasgou no próprio choro. Eu acharia completamente adorável, em outra situação, mas neste momento só me fez chorar mais, o que resultou em duas bebês choronas, e não apenas uma.

A princípio, todos respeitaram nosso momento. Todos se calaram diante de nosso choro aliviado, mas ainda dolorido por tudo que passou.

Mas eu conheço... eu conheço cada um aqui presente. Eu sei que eles vão jogar esse choro histérico em nossa cara, depois, até a morte, enquanto se escangalham de rir.

Já estou cansada só de pensar.

— Temos. Mas foram dias, semanas longas. Acho que Soraya e Simone merecem um tantinho mais de descanso. — Carlos intervém em nosso favor. Favor, sim. Porque ainda que seja necessário muito esforço para colocar em prática todo o plano detalhado no qual pensaram, e por mais que eu deseje como uma louca que tudo dê certo, por enquanto eu só quero ficar assim. Eu só quero ficar com ela. Só quero seu carinho, seu amor sussurrado, seus abraços que quase me machucam, de tão apertados.

— Só por hoje... — Eu peço, acariciando o braço de Simone enquanto ela deita a cabeça, toda manhosinha, na curva do meu pescoço. — Eu não tenho muito tempo antes de precisar voltar para a casa de meus pais, então...

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