21 | a vida funciona por acaso

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— Simone... eu já estou apaixonada por você.

Eu disse. Eu realmente disse.

Num surto de coragem, como o que te faz ameaçar alguém sem medo das consequências, eu revelei o que há algum tempo já estava esclarecido em minha mente, mas ainda não tinha sido explanado. Para ninguém.

Agora, meus segundos de coragem inconsequente tiveram fim e tudo que me resta é uma sensação de nervosismo e medo da resposta.

Mas, apesar disso, não me arrependo. Porque é verdade. Eu estou apaixonada por Simone, não é de hoje e não deve passar amanhã.

Então... não tenho motivos para esconder ou para esperar o tal momento ideal para confessar isso, porque esse momento pode nem chegar. E assim Simone nunca vai saber que, mesmo que no passado ninguém tenha se sentido assim, ela é capaz de despertar isso em alguém.

Se for para dizer coisas boas e revelar sentimentos bons, talvez minha impulsividade seja bem vinda.

Mas ainda é constrangedor.

— Você acabou de dizer que...? — Simone piscou num gesto atordoado, falando pela primeira vez depois de muito tempo.

Eu recuo com um passo e recolho minhas mãos, escondendo-as nos bolsos da calça antes de erguer meus ombros num movimento fraco.

— Você não precisa dizer nada sobre isso, Simone, só... saiba que é verdade.

Atenta à sua expressão, eu capturei cada mínima nuance de confusão e receio estampados em seu rosto e até esperei para ver ao menos uma pontinha mesmo que ínfima de algo bom em seus olhos, mas somente encontro insegurança do início ao fim.

Foi disso que senti medo assim que minha confissão desajeitada escapou. É isso que está acontecendo agora.

— Desculpa. Não foi a melhor hora para dizer isso. — Eu tento reverter a situação de alguma forma, e acabo forçando um sorriso ao final. — É melhor sairmos logo, ou vamos perder o filme.

— Soraya... — Ela me chama assim que me vê avançar até a porta, e eu somente balanço a cabeça para os lados, ainda com um sorriso pouco natural.

— Relaxa. — Eu digo, transparecendo muito mais calma do que tenho agora. — Vamos logo, ok?

Simone demorou algum tempo até fazer um sim incerto e eu estiquei meus lábios num gesto conformado antes de aceitar que essa conversa, por enquanto, deve se encerrar por aqui. Aí, eu viro de costas para ela e saio de seu apartamento, percebendo que sou seguida por ela.

Sem mãos dadas, dessa vez. Sequer estamos andando lado a lado. Mas nós vamos ficar bem, apesar da atmosfera constrangedora. Pelo menos, é nisso que quero acreditar.

Mas uma coisa definitivamente não está bem, não importa o quanto eu tente dizer isso para mim mesma. E essa coisa é o carro de meu pai.

— Puta. Merda... — Eu balbucio, quase sem reação ao sair do prédio de Simone em sua companhia e encontrar o sedã com um risco imenso e proposital na lateral.

Parada ao meu lado, a expressão de Simone pareceu chocada, a princípio, para logo ser tomada por uma compreensão consternada que fica muito evidente quando ela fecha os olhos num gesto frustrado e massageia a própria nuca.

— A Eloise... — Ela disse, então, e isso basta para que eu entenda tudo.

— Aquela... — Eu começo, mas engulo minha irritação antes de passar meia hora  resmungando. Então respiro fundo, passo as mãos no rosto, empurro os cabelos  para trás e desejo matar alguém. Aí, eu me acalmo.

AFRODITEOnde histórias criam vida. Descubra agora