37 | almas entrelaçadas

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Há muito tempo, deixei de acreditar que nossos pais sempre serão as pessoas que olham por nós. Mesmo assim, ainda é difícil digerir que eles podem ser as pessoas que destroem nossas vidas.

Ao ler a ameaça de minha mãe, eu quis fugir. Quis me livrar do uniforme nojento da pizzaria e deixar para trás o emprego que acabei de conseguir, me esconder em algum lugar e socar uma parede até sentir meus dedos dormentes. Eu quis fugir como se nada importasse. Como se, agora, não estivesse por minha própria conta, dependendo apenas de meus esforços para ter dinheiro para sobreviver.

Mas eu não sou mais uma garotinha que está brincando de ser independente. Por isso, eu bloqueei o número de minha mãe, em seguida bloqueei a tela do telefone e o escondi no bolso antes de esconder minha tristeza e raiva detrás do meu sorriso mais bonito.

Então eu sorri a noite toda, mesmo me sentindo quebrada por dentro.

— Como foi seu primeiro dia? — Ao entrar no apartamento de Melinda, já à meia-noite, eu me surpreendo ao vê-la acordada enquanto devora um pote de sorvete na frente da televisão, vestindo apenas um short, uma camisa larga e meias furadas.

Minha noite foi horrível. Tão horrível quanto sua vestimenta, talvez pior.

Eu me sinto suja pelo uniforme engordurado e parece que o cheiro de comida impregnou em meu cabelo o que, ao invés de me dar fome, me deixa enjoada.

— Foi show de bola. — É o que respondo, no lugar. — E sua noite? — Eu pergunto de volta, seguindo até a cozinha.

— Eu estou assistindo Um amor para recordar enquanto devoro sozinha um pote do pior sorvete que existe. — Eu ouço sua resposta enquanto me sirvo um pouco de água. Quando retorno à sala, ela me olha e suspira: — Me diga você como minha noite está sendo.

— Supimpa.

Ela respira fundo, deslizando o corpo pelo sofá, a cabeça apoiada no encosto enquanto pousa seus olhos em mim.

— Soraya? — Então me chama.

— Hm? — Respondo, distraída.

— Eu ainda não disse, mas estou muito orgulhosa de você. Por tudo que você evoluiu durante os últimos meses... eu realmente estou muito, muito orgulhosa e gosto muito mais de você agora.

Eu sorrio, dessa vez com um pouco de sinceridade. Porque eu também gosto mais de mim agora.

Não importa se eu sou pobre, preciso economizar detergente e tenho um emprego que me deixa com cheiro de comida. Eu sou também corajosa como o cacete por abrir mão de toda a vida confortável que conheci.

No fim, a pessoa que eu amo é também a pessoa que me inspira. É meu exemplo de resiliência, de resistência, de força, amor e muita coragem.

E quando eu lembro que Simone passou por tudo que estou passando e muito mais, muito pior, minha maior vontade é de correr até ela e ser a conchinha de fora a noite toda, para protegê-la.

Porque ela também é meu bebê. Meu exemplo de inocência e de pureza.

Uma pureza safada, obviamente.

— Sabe qual é a melhor parte? — Eu pergunto, ocupando uma das poltronas. — Uma vez por mês, eu ganho uma pizza grátis.

— Eu sempre soube que ser sua melhor amiga valeria à pena!

— O que? Você acha que eu vou dividir com você? — Arqueio minhas sobrancelhas, um sorriso debochado se mostrando para minha melhor amiga. — Claro que eu vou dividir com Simone. Meu amor precisa estar com a barriga cheia.

AFRODITEOnde histórias criam vida. Descubra agora