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Ainda estamos no início de março. O dia amanhece quente, e a minha turma tem duas aulas de educação física hoje. Eu odeio não poder usar calça jeans de terças-feiras, principalmente com a possibilidade iminente de cruzar com o Cadu a qualquer momento do dia. O professor exige que usemos uma bermuda tactel azul marinho capaz de deixar até mesmo a Lorena bizarra, apesar de eu achar que a Lorena bizarra ainda consegue fazer qualquer garoto querer roubar os anéis de Saturno. Sei que o Cadu disse que não iria para o colégio hoje, mas, além de estudarmos na mesma escola, também moramos no mesmo prédio e isso me faz acreditar que até o final do dia passarei por um vexame ainda maior do que o que passei ontem.

Boto a bermuda enquanto faço uma careta para o espelho. Babi está apertando a minha campainha pela décima vez em menos de um minuto do meu grito para ela esperar.

Quando estou pronta, abro a porta. Ela está com uma das mãos apoiadas no batente e com um semblante sarcástico. Ela não perdoa:

― Ora, ora! Quem diria que Valentina Salles demoraria mais tempo que Bárbara Senna para se arrumar antes de ir ao colégio!? ― faço uma careta e mostro a língua enquanto caminhamos rumo à escola ― Será que este é o efeito que um tal completo-estranho-morador-do-segundo-andar causa na minha the best?

― Eu vou deixar de ser a sua the best se você não parar de querer dizer que sou tão vulnerável aos garotos quanto você, Babi.

― Você não sobreviveria sem mim... Eu sou alguém importante demais na sua vida, Valen. Ao ponto de te dizer uma verdade dolorida para mim mesma. Como essa que vou dizer agora: você venceu.

Não entendo o que ela quer dizer.

― Ganhei o quê... e-xa-ta-men-te? - arqueio as sobrancelhas e inclino a cabeça enquanto faço a pergunta.

Já estamos caminhando sentido à escola.

― O Cadu. Ele claramente se interessou mais por você do que por mim. Eu notei. Acho que até o vira-lata na janela do vizinho percebeu que o Cadu tinha roubado o posto dele naquele filme "A Dama e o Vagabundo". Sério! Ele estava caidinho. Só faltou o macarrão para vocês dividirem no mesmo prato ontem. Eu claramente sobrei. ― ela solta uma bufada.

― De the best você está prestes a virar the besta, Bárbara. Pare com isso, vai... O Cadu vai acabar namorando a Lorena, até a minha mãe jogou na minha cara isso pela manhã. Disse que eles formariam um belíssimo casal.

― Porra! Sua mãe disse isso?

― Disse.

― Mas sua mãe já viu a Lorena de perto?

― Sim, na festa junina do ano passado. Ela ficou passada com a beleza da menina... ― reviro os olhos.

― Aí, tá vendo. É esse o problema da sua existência, Valen: as mulheres da sua família não são empoderadas. É um ciclo de baixa autoestima entre vocês. Mano, você é linda, Valen. Sério! Eu ficaria com você!

― Você não seria correspondida, Babi. Porque até eu, se fosse lésbica, ficaria com a Lorena.

― Então vamos armar um plano: você se torna lésbica e rouba a Lorena de todos os caras que quero pegar, ok?

Damos uma gargalhada estridente e passamos pelo portão do colégio.

Eu adoro o jeito da Babi me colocar pra cima. Uma vez ela insistiu que eu ficaria muito bonita de vestido e, quando soube que eu não tinha nenhum no meu guarda-roupa, juntou sua mesada por três meses e me deu um de presente. Era a primeira vez que eu usava algo tão justo no meu corpo. Assim que ela me viu metida naquele pedaço de pano, saiu me rodopiando na sala e tentou arranjar uma festa pra gente ir. E foi nessa festa, trajando esse vestido preto estilo corpete que quase me deixou sem ar, que dei o meu primeiro beijo. Então, assim, eu sabia que podia confiar nos apontamentos dela. Se a Babi tinha notado algum interesse do Cadu por mim, talvez ela não tivesse falado isso só para levantar minha autoestima. E eu não posso negar que, só de pensar na possibilidade de ela estar certa mais uma vez, eu me sinto radiante.

Sempre fomos nósOnde histórias criam vida. Descubra agora