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No meu sonho, a professor Lúcia aparece bem no meio da sala de estar. Eu e minha mãe estamos segurando um caderno, escrevendo a palavra "perdão". Há uma lousa atrás da professora Lúcia, e ela está falando sobre como perdoar é importante, que viver sem perdão é um tipo de morte, pois ficamos para sempre tristes e presos na recordação de algo ruim que nos causaram. Eu quero discordar dela e me levanto para argumentar, quando de repente algo me joga para frente.

Ouço a voz da professora Lúcia xingando um motorista e me dou conta de que estou, na verdade, dentro do micro-ônibus, no meio da estrada. O seu Carlos acaba de frear bruscamente, me arremessando para cima do Cadu. Ele me segura e pede para eu me acalmar.

― Calma, marrenta. Está tudo bem.

Volto para o meu banco, ajeitando a camiseta e o cabelo. Nem faço ideia de quanto tempo passei dormindo. Cadu me olha fixamente e continua:

― Estamos próximos da divisa entre São Paulo e Rio de Janeiro. Você dormiu por bastante tempo. Já quase morremos três vezes antes de você acordar com esse último pé no freio do meu tio.

Reviro os olhos. Seu Carlos, o motorista, parece enfurecido com a quase batida. Ouço-o resmungar dizendo que não gosta de motoristas de fim de semana. Júlio concorda, mas é possível ver sua risada descontraída pelo retrovisor. Na verdade, estamos todos muito empolgados para o acampamento. Ninguém merece morrer na estrada, nem mesmo o Cadu.

Olho para trás e vejo que todos estão dormindo. Cadu puxa assunto de novo:

― Eles se cansaram de cantar. Quase esgotaram o repertório. Só faltou cantarem uma dos Engenheiros que se esqueceram de cantar. - ele arqueia uma sobrancelha, sugerindo que eu pergunte qual.

Fico em silêncio, fingindo não dar atenção, e volto o olhar para a janela.

― Três por quatro. Nossa música eles não cantaram. - ele responde mesmo assim.

Sinto meu rosto ficar quente e algo derreter dentro de mim. Mas decido não perdoá-lo, professora Lúcia, afinal, ele nem parece tão arrependido assim.

― Você sempre fala sozinho enquanto viaja? - provoco.

Cadu sorri, aquele sorriso meio torto que me desarma. Ele se endireita, olha fixamente para mim e responde:

― Só quando estou tentando chamar a atenção da garota mais interessante do ônibus. - seu olhar é imperturbável e confiante.

― Não está funcionando, você está sendo bem brega. - retruco, cruzando os braços como se não me importasse, embora esteja torcendo para que ele continue me flertando.

Como se estivesse se sentindo desafiado, Cadu se inclina um pouco mais para perto de mim e, com um tom de voz mais baixo, pergunta com olhar provocativo:

― Então, me diz por que você não consegue olhar nos olhos do cara que você diz que é brega por mais de dois segundos?

Sinto meu rosto esquentar de novo, mas, tentando parecer desinteressada, miro fixamente seus olhos e começo a contar:

― Um, dois, três. Pronto. Passei de dois segundos olhando nos olhos de um cara que eu disse que é brega.

Antes que ele pudesse responder, o micro-ônibus desacelera e para em um posto de estrada. Seu Carlos vira-se para nós e anuncia:

― Pessoal, vamos fazer uma parada rápida para um lanche. Dez minutos e seguimos viagem.

Todo mundo começa a se mexer, acordando e se espreguiçando. Quando estou prestes a descer do veículo, Cadu segura meus braços e lança suas últimas palavras antes de se levantar:

Sempre fomos nósOnde histórias criam vida. Descubra agora