As possibilidades de desafio que surgem na minha cabeça como vingança à proposta de Júlio deveriam me envergonhar. Mas não me envergonham. Sim, eu pensei coisas piores do que fazê-lo chorar, como ele tentou fazer com minha mãe. Pensei em sangue, em seu órgão genital mergulhado em um isopor cheio de gelo por vinte minutos, ou quem sabe vê-lo correndo pelado ao redor de uma fogueira enquanto canta Evidências. E o que mais me assusta? Não sentir culpa alguma.
Mas vamos ser sinceros, gastar minha vez no jogo com algum desafio que envolva a mutilação de todos os órgãos de Júlio não parece a melhor ideia. A Babi ainda não foi desafiada. A Babi e o... Cadu. Acho mais proveitoso usar a minha vez para me divertir com as pessoas de que gosto e com quem não vai me fazer terminar a noite sendo levada direto para a Fundação Casa por incitar um colega – Júlio tinha perdido o posto de meu amigo há uns vinte minutos - a se automutilar e livrar a humanidade de seus genes maliciosos.
Ok, eu sou covarde. Não vou mirar o Cadu. Até porque não sei bem como desafiá-lo e não acho tão justo ser cruel com ele depois de tudo que o Cadu fez por mim hoje. Ele foi... fofo. E forte. Fofo e forte. Não é justo.
Lanço um olhar semicerrado para Bárbara. Ela me devolve o olhar no mesmo estilo. Sinal de que ambas sabem muito bem o que está prestes a acontecer.
― Ah, não, Valen. Eu conheço esse olhar. - ela leva uma das mãos à testa, resignada.
― Se segura, muchacha. Hoje tenho planos para você - aponto o dedo médio e o indicador em sua direção como uma pistola.
Samanta está ao seu lado e se empertiga. As duas não se desgrudaram desde o primeiro banho de mar. Provavelmente Samanta acha que meu desafio vai envolvê-la também. No que ela está completamente... certa, é claro. É exatamente o que vai acontecer.
― Ok. Desafio a Babi a cantar uma música dos Engenheiros do Hawaii pra Samanta, imitando o jeito do Humberto Gessinger jogar o cabelo.
― Ah, Valen, cantar pra minha crush? Moleza. Agora o lance do cabelo... você me ferrou, Valen.
Babi dá um sorriso malicioso antes de se virar para Raquel, que, ironicamente, tem os cabelos mais lisos e longos do grupo.
― Raquel, me empresta esse cabelo aqui rapidinho.
E, ao som alto de todas as gargalhadas do grupo, Babi se posiciona bem ao lado de Raquel e joga os cabelos dela por cima da própria cabeça, criando uma peruca improvisada. E então entoa umas das nossas música preferidas no mundo:
― Um dia me disseram que as nuvens não eram de algodão...
Então, ao mesmo tempo em que a cantoria desafinada de Babi começa, ouço um som nada desafinado vindo das cordas de um violão. Cadu. Ele decide acompanhar a música com seus dedos habilidosos. Quando miro seu rosto, percebo que seus olhos já estão cravados em mim. Tento disfarçar minha pulsação acelerada com um sorriso forçado, procurando transparecer um estado de normalidade, mas não consigo. Eu quero derreter, mas não posso. Quero parar de gostar dele, mas... gosto.
Esqueço a Babi por um instante. Foco somente em ouvir a melodia suave que Cadu toca e, vez ou outra, meus olhos voltam para o rosto dele. Toda vez, ele está me encarando. Tenho a sensação de que ele não está tocando para mais ninguém além de mim.
De repente, uma gargalhada estridente me traz de volta à realidade e me viro para a Bárbara. Ela está ajoelhada aos pés de Samanta, puxando Raquel para baixo para continuar usando seu cabelo como peruca. Claro que o som alto é do Vítor, mas todos estão rindo até chorar. Todos não. Todos menos Cadu, que continua me olhando.
Solto uma risada mais contida, e Babi encerra sua apresentação jogando seu cabelo - que, na verdade, não é o cabelo dela - para trás, derrubando Raquel na areia. Eu perco o controle e começo a gargalhar de verdade, quase tanto quanto Vítor, que agora está rolando na areia.

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Sempre fomos nós
JugendliteraturQual é a fórmula mágica para o primeiro amor? E quando a garota em questão não tem lá uma autoestima assim tão elevada e se apaixona justamente pelo novo garoto popular da escola? E quando esse garoto é também o seu vizinho? Valen é uma adolescente...