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Acordo antes das seis horas da manhã e, pela pouca luz que embaça o tecido da minha barraca, sei que o dia ainda não começou de verdade. Estou sem sono, então me levanto decidida a olhar para o céu levemente rosado e procurar a estrela da manhã: a solitária Vênus. Sei que é possível vê-la bem cedinho, então lá vou eu! Escovo os dentes rapidinho em uma das pias próximas aos banheiros coletivos, visto meu biquíni por baixo de um shorts jeans e uma mini blusa de crochê, coloco poucos itens dentro de uma pequena bolsa a tiracolo e sigo rumo à praia.

O céu está mais para um azul-índigo do que para um azul-céu, tipo, cor de céu mesmo. Alguns raios lilás e rosa clareiam o horizonte, então sei que absolutamente ninguém está acordado no camping a essa hora. Provavelmente só vão notar minha ausência quando o sol já estiver bem alto.

Decido, então, fazer uma caminhada pela praia sozinha.

Antes mesmo de colocar meus pés na areia, ainda no meio do caminho, consigo distingui-la um pouco além da Lua, brilhando à distância: a deusa do amor, Vênus. Vênus sozinha. A deusa do amor sozinha. Entendeu, Valentina? Um planeta lindo desses, completamente sozinho, com toda a sua intensidade. E aqui está você, Valen, bem menos brilhante, mas também igualmente sozinha. Completamente sozinha com todo o seu temperamento difícil.

Coloco os pés na areia enquanto carrego os chinelos na mão. Deixo as ondas tocarem minha pele até a altura do tornozelo e, talvez, apenas talvez, me dizerem algo inaudível. É claro que você não resolveu sair do camping a essa hora para ver Vênus solitária brilhante esfregando na sua cara que ela consegue ser sozinha e radiante logo de manhã e você não, Valentina! É exatamente isso que as ondas me dizem. E é verdade. Preciso entender melhor quem sou eu ou quem é esta que estou me tornando depois dos meus quinze anos. E, para isso, não devo depender do apoio das palavras sempre bem-intencionadas da Babi ou do Cadu porque elas são quase sempre incompletas. Ninguém é capaz de dizer tudo sobre a gente. Sou eu mesma quem precisa compreender melhor a Valentina que acaba de completar quinze anos.

Continuo caminhando até me deparar com a entrada da trilha que o Cadu me mostrou. O dia já clareou, e eu tenho um cappuccino gelado na bolsa e um potinho de plástico com damascos, coisas de dona Clarice. Sim, mãe, sua filha está pensando em atravessar a trilha sozinha. Sim, mãe, sua filha está verificando se tem itens suficientes para não morrer de fome até chegar do outro lado. Sim, mãe, sua filha, Valentina Salles, nunca precisou de uma mão paterna que a guiasse pelos mistérios e confusões do mundo, então, bem, é claro que ela não tem medo dessa trilha e de seus insetos peçonhentos. Seu ex-marido, mais conhecido como meu pai, nunca levou sua filha sequer a um dos inúmeros parques da cidade, nunca correu para tirar as formigas do seu pé quando ela atolou um deles num formigueiro como naquela tarde de verão, lembra? Então, sim, dona Clarice, sua filha é capaz de seguir esse trajeto na terra e, quando alcançar o outro lado, voltar de barco sem um dito cujo recreador contratado por você para ficar no pé dela. Sim, mãe, também trouxe o repelente de mosquito na bolsa. Sim, mãe, eu já vou espalhá-lo por todo o corpo e ficar grudenta como uma frigideira cheia de óleo.

Passo o repelente e entro na mata.

Durante a primeira parte do percurso nenhum pensamento surge na minha cabeça, pois estou bem atenta às marcas da trilha para não correr o risco de me perder. Mas, assim que me sinto segura - o que é sempre muito difícil, não é mesmo, Valentina? - as vozes da minha mãe voltam a ecoar na minha cabeça.Que tipo de vida é essa que minha mãe leva e que tem tanta força para marcar a minha, não importa onde eu esteja? Há quarenta e cinco anos, aquela figura de mulher, com seus movimentos ágeis, vive quase todos os dias em prol dos filhos, do trabalho e da casa. Com suas listas de afazeres na mão, dona Clarice é uma mulher impecavelmente diligente e infeliz. Dorme pouco e tem breves folgas. E, como todas as outras mães do planeta, deseja, do fundo do seu coração rachado no meio pelo meu pai, que seus filhos tenham o que ela nunca teve.

Sempre fomos nósOnde histórias criam vida. Descubra agora