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Tem uma coisa que o curso da Babi andou ensinando e que eu vou testar hoje à noite: "um relacionamento é como uma dança - nada de dar passos sozinha no salão, deixemos os garotos  nos conduzir, mesmo que não saibam que sempre fomos nós as indutoras do que virá adiante". É simples: eles se acham os caçadores desde os tempos das cavernas e adoram a sensação de nos conquistar. Nós, as garotas, precisamos fazer com que eles se sintam explorando uma floresta fechada e se saindo muito bem, enquanto, na verdade, somos nós que montamos a armadilha com um mapa, um GPS, um drone! Ser um pouquinho difícil faz parte do jogo. 

O show começa. Humberto Gessinger está agora no palco. Solto um gritinho bem adolescente e não me importo, afinal, sou mesmo obcecada pelo Humberto Gessinger, tipo nível "faço um fã-clube na garagem". O Cadu se vira pra mim:

― Ih, pronto. Agora eu não tenho mais nenhuma chance...

― Ainda bem que você sabe. ― dou uma piscada e termino de beber a minha caipirinha de morango.

Caminhamos para o meio da multidão, ele me puxando pela mão de modo apressado e gritando para trás:

― Quero arrumar um lugar em que eu possa beijar você! ― sua voz é intercalada ao som da guitarra e do baixo que invade o ambiente e enlouquece todos.

― O que você disse?! ― grito fingindo não ter entendido.

Damos mais alguns passos e ele então responde à minha pergunta dizendo que me explica depois. Passamos a curtir o show. Gritamos enlouquecidamente que  "o papa é pop" e que "o papa não poupa ninguém". Sinto que estou um pouco alta enquanto canto "Infinita Highway", uma mistura de imagens da minha mãe e do meu pai começam a dançar na minha cabeça. Quase entro no modo "memórias da dona Clarice", mas a mão do Cadu na minha cintura me puxa de volta para a realidade.

― Está tudo bem, marrenta? ― ele me pergunta encostando os lábios no meu ouvido.

Aceno com a cabeça, virando-me para ele. Ele me encara e franze o cenho de um modo divertido, como quem duvida da minha resposta. Para disfarçar meu repentino devaneio, começo a cantar escandalosamente: "Era um garoto, que como eu, amava os Beatles e os Rolling Stones...". O Cadu se posiciona atrás de mim, envolve suas mãos na minha cintura e começa a gritar comigo a música que prova que temos indignações em comum. Somos contra as guerras e as mortes causadas pelo sistema, somos contra o sistema! E, de repente, me dou conta de que estou compartilhando revoltas com alguém. Isso é tão irresistível! Ter com quem dividir revoltas é mais emocionante do que estar com alguém que te ensine a rezar. 

Perceber que o Cadu entende o que foi a Guerra do Vietnã o coloca anos-luz à frente dos outros rapazes. O Pedro nem passa mais pela minha cabeça. Estou me dando conta de que o Pedro sempre foi apenas mais um daqueles carinhas populares da escola que ficam no corredor, evitam entender qualquer matéria e acabam não fazendo nem ideia da força de uma canção como essa que estamos cantando agora, eu e o Cadu, intensamente. Chego à conclusão de que a falta de alguém como o Cadu me fez aceitar gostar de alguém bem abaixo do que eu merecia. A gente se contenta com tão pouco enquanto o tempo não nos apresenta alguém com quem a gente possa dividir nossas fúrias justificadas. Será que meu pai era muito menos do que a minha mãe merecia? Será que meu pai era o Pedro e não o Cadu? Volto a devanear.

A banda passa a cantar seu repertório romântico. E eu já sei que será agora que terei de ser forte o suficiente para resistir às investidas do Cadu e fazê-lo acreditar que está adentrando a uma floresta densa e escura em cuja saída há um beijo meu. O controle dessa dança estará comigo, mas deixarei que ele pense que está com ele, que está em uma caça perigosa, para assim fazê-lo derreter por mim no final e ter a recompensa dos perigos pelos quais passou. Coração na mão como um refrão de bolero, que o jogo comece!

Sempre fomos nósOnde histórias criam vida. Descubra agora