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― Como assim o Cadu não vai para o acampamento, Valen? ― Babi arqueia uma sobrancelha, claramente intrigada. ― Você deveria dar uma chance pra ele, conversar primeiro, tirar toda essa história a limpo e só depois des, des, desconvidá-lo...

― Esquece, Babi. Ele não vai. ― Respiro fundo, tentando ignorar o nó no estômago. ― Vou chamar o Vitor no lugar dele.

― O Vitor?! ― Babi coloca a mão na boca, teatralmente chocada. ― Não vai me dizer que você está pensando em levar o nerd do Vitor?! Ele vai levar uma tonelada de livros de física quântica!

― Cala a boca, Babi! Ele é legal e pelo menos não vai me dar dor de cabeça.

Babi solta uma gargalhada estridente, do tipo que faz todo mundo do quarteirão em que estamos olhar pra gente, e diz:

― Você vai levar um nerd que só fica inventando games no celular no lugar do Cadu? Você tá tirando uma com a minha cara, é isso?

― Não tô não. É isso mesmo, eu cansei da ideia romântica de felicidade feminina baseada na conquista do cara mais popular do colégio, do clube, do bairro, do mundo dos famosos, do sistema solar, de todas as galáxias... Que a Lorena fique com o Cadu, que o Cadu fique com a Lorena!

― E que o Pedro fique comigo! ― Babi ri sarcástica.

― Pode ser, não faz diferença mais pra mim. ― dou de ombros.

― Você só pode estar brincando!

― Eu não quero disputar o Cadu com a Lorena. Na real? Eu não vou ficar com um cara que eu tenha que pedir explicações sobre outra garota...

― Mas, Valen... Você precisa saber o que o Cadu tem pra dizer.

Já estamos bem próximas à entrada do prédio. Caminhar sempre me ajuda a organizar os pensamentos. Apesar da insistência da Babi para que eu dê uma chance para o Cadu, os poucos quarteirões que percorremos me levam a dar mais passos do que os meus pés de fato dão. Colocar a minha felicidade em um romance com um garoto? Parece ridículo diante das outras coisas que eu quero. Eu quero uma sociedade mais igualitária, a queda do patriarcado, o fim do alcoolismo que destrói vidas como a da Lia. Eu quero a felicidade da Lia, da dona Clarice, quero conhecer minhas origens, saber se somos apenas brancas ou também negras. Quero o fim do racismo, da religião se metendo na política, do padrão Lorena de beleza e do padrão Pedro de popularidade masculina. Quero que os homens parem de nos ver como conquistas e, acima de tudo, o fim do romantismo tóxico na minha história com o Cadu. Ufa! Tudo isso passando na minha cabeça enquanto Babi quer que eu seja alguém que não consigo mais ser. Decepção misturada com uma dose de leitura e conhecimento gera poder.

― Eu tô bem, Babi. Eu caí na real...

― Você não pode ter caído na real sem saber o que o Cadu tem a dizer, Valen.

― Não estou falando sobre saber a real do que rolou entre ele e a Lorena, Bárbara. Estou falando sobre cair na real sobre nós. Nós, as garotas.

― Meu Deus! Você tá pirando... ― ela segura meu braço já na porta do meu apartamento, enquanto meu irmão entra correndo e gritando para que minha mãe veja sua medalha.

― Sempre fomos nós, as garotas, que demos todo esse poder e voz para eles. Eu decidi que não, que não quero ouvir o Cadu.

― E vai ficar aí achando que engoliu saliva da Lorena sem saber se o Júlio não exagerou?

― Se na segunda-feira eu quiser tirar essa história a limpo, procurarei a Lorena e não o Cadu.

― Ela vai mentir, Valen! Acorda!

― Pode ser. Mas o que eu quero é não precisar fazer nenhum movimento para desvendar essa história. Prefiro focar em saber coisas mais importantes...

― Como o quê, por exemplo?

― Se Neruda foi ou não assassinado por Pinochet, quem mandou matar Che Guevara?

Bárbara balança a cabeça enquanto se move para o seu andar.

― Eu te desejo boa sorte, porque acho mais fácil falar com o Cadu...

Entro para casa e vou direto me enfiar no meu quarto. Desligo o celular. Nada de redes sociais, nenhuma distração contemporânea pode me distrair da minha maior descoberta: posso ser feliz se conseguir me livrar da ideia do amor romântico e se tiver muitos outros pensamentos além da lembrança do beijo do Cadu. É difícil, eu sei, Valen, mas você vai conseguir. Olho para o espelho e me encaro. 

Me viro para a estante de livros e pego o caderno de história. Lembro o trabalho de geografia, e o beijo do Cadu no show, aquela música do Engenheiros, sua mão na minha cintura... E o trabalho de geografia de novo. Quem mandou matar Che Guevara? Meus pensamentos se embaralham. Quero me tornar alguém que não sou ainda. Tenho apenas quinze anos, mas já entendi que as histórias podem ter muitas versões e que eu preciso criar a minha. 

Posso viver minha adolescência só pensando em namorar um garoto, escrevendo no meu diário apenas sobre ele e chorando por causa disso, porque "garotos são garotos e só". Ou posso inverter a lógica e narrar a história de uma menina que quase se encontrou quando estava à beira de se perder. Confusa assim. É assim que estou agora.

É um desafio nascer menina, né? Tipo, é um verdadeiro tour de força ser garota. E para completar, ter um vizinho lindo e galanteador é a cereja do bolo enquanto você está atolada com um trabalho de geografia e lutando contra o padrão de beleza imposto pela sociedade que basicamente quer me vender a ilusão de que posso me encaixar em alguma fórmula mágica de perfeição. Porque, claro, a vida não seria completa sem um desafio digno de uma competição olímpica de padrões de beleza.

No mundo que eu construo enquanto devoro cada palavra das aulas de história da professora Lúcia, o Cadu talvez não tenha o poder de escolher entre Valen e Lorena. Nesse universo alternativo, provavelmente eu seria imune aos seus galanteios. Posso estar ocupada demais escrevendo uma nova canção ou treinando para um campeonato de vôlei. Posso até passar pelo corredor onde nos esbarramos sem sequer notar, porque, veja só, estarei perdida em uma nova descoberta sobre Vênus ou discutindo com a Babi se a teoria das cordas pode explicar a origem do universo. Mas, por alguma razão perversa, o mundo insiste em fazer com que as garotas sejam alvos fáceis para o amor.  E está tudo bem, não estou dizendo que amar é ruim. Mas eu quero mais do que isso. Eu quero descobrir um planeta em que eu possa fazer quinze anos e encontrar outras formas de amar. Não quero ter de chegar à idade da minha mãe para entender que a dor tem, muitas das vezes, origem no destino que damos ao nosso coração.

Acho que quero amar uma causa. Um projeto. Um texto. Uma nova canção. Talvez até descobrir uma nova galáxia e chamá-la de "Planeta da Valen" — ou "Planeta do Drama Cósmico".

Ligo o celular. Mensagem do Cadu.

"Oi, marrenta.
Minha mãe tá te chamando para vir aqui em casa comer uma pizza.
Vem?"

***

Estava com esse capítulo pronto mais de uma semana, mas fiquei com um baita medo de postar!

Sim, a história vai dar uma reviravolta agora! Mas se acalmem, vou deixar um spoiler aqui:

Às vezes é preciso partir para poder ficar. Como diz H.Gessinger: "O final dos tempos é só um sinal dos tempos" 😉🧡

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