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É manhã de sexta-feira, dia dezesseis de março, e antes de ir ao colégio converso com a minha mãe sobre o show que irei com o Cadu mais tarde. Ela fica empolgadíssima, mais entusiasmada que eu, embora seja possível ler na sua face uma das mil lembranças que dona Clarice possui do meu pai. Momentaneamente seu olhar expressa um desses devaneios em que um bom momento lhe veio à cabeça seguido da consciência de que o que aconteceu depois foi uma catástrofe. Suspeito que essas lágrimas que a minha mãe nunca derruba sejam a natureza das suas rugas e do seu envelhecimento precoce.

― Ainda tenho que decidir a roupa que vou ao show, mãe. Acho que não tenho nada muito legal no guarda-roupa. ― procuro retirá-la do labirinto mais perigoso que a minha mãe pode entrar: o passado.

― Ah, sim. O preto sempre cai bem para um encontro. Lembro que quando saí com seu pai pela primeira vez, fiquei horas tentando combinar algumas peças, mas acabei escolhendo um cropped preto e um jeans que era moda da época. E foi uma ótima escolha, pois eu estava pronta para um show, para uma balada ou um jantar. Seu pai me levou para um restaurante. ― ela entra no labirinto. ― E foi lá que toda a desgraça da minha vida começou.

Pronto. Dona Clarice agora está preparada para fazer aquilo que ela sabe fazer de melhor: transferir suas frustrações para mim e me fazer ser a pessoa mais desconfiada da cidade.

― É importante que você encare esse encontro com o Cadu com os pés no chão, filha. Ele é mais velho e, bem, deve ter outras garotas em vista. ― ela começa.

― Mãe, não é um encontro. A gente só vai ao show de uma banda que a gente curte muito.

― Pode ser que isso mude quando essa banda tocar uma música especial e o Cadu falar algo sobre você por meio das letras da canção. Conheço os homens, Valen. Eu tenho quarenta e cinco anos. ― reviro os olhos e ela torna ― Separe uma blusa leve para não passar frio na volta.

― Já separei a blusa, mas meu problema  continua sendo o que vestirei por baixo: não tenho um cropped preto nem algo assim tão na moda para usar. ― bufo ao final da fala.

― Você tem aquele vestido que te dei e que recusou até mesmo a experimentar.

― Não, mãe. Eu não vou em lugar algum com aquele vestido, não vou sair por aí fantasiada de nenhuma princesa da Disney. Esquece.

― E se eu te disser que pedi pra Lia retirar aquele babado e deixar o vestido com um caimento mais sóbrio e um pouco mais justo? ― ela dá uma piscada. ― Acho que você deveria provar antes de ir para o colégio.

Faço uma cara de desconfiada, mas sigo o conselho e vou até o quarto. Para a minha surpresa, os ajustes da Lia transformaram o vestido em outra peça completamente diferente. Ele realmente fica deslumbrante em mim. Eu me olho diversas vezes no espelho antes de retirá-lo, colocar o uniforme e partir para o colégio.

Durante o caminho, a Babi me conta sobre a bebedeira da Lia e o apuros que  Cadu tem passado para cuidar da mãe. Ele não aparece na escola mais uma vez, e a Babi diz que dessa vez é para poder organizar a casa, que parece ter sido detonada na noite que antecedeu meu aniversário. Sinto falta da sua voz me chamando de marrenta e do seu violão no intervalo. Tenho dúvidas se ele, de fato, conseguirá me levar ao show em meio à situação caótica que está vivendo.

No colégio noto a Lorena me olhando com cara de deboche várias vezes. Desvio o olhar e finjo não me importar. Realizo todas as tarefas escolares intercalando pausas nas quais imagino o futuro de hoje à noite. Estou ansiosa, sou ansiosa afinal. E, para piorar a situação, minha melhor amiga está mais inquieta que eu:

― Você vai me mandar uma foto sua antes de sair né, Valen? Não vou deixar você correr o risco de usar um vestido como se estivesse indo a uma igreja!

Sempre fomos nósOnde histórias criam vida. Descubra agora