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Quando alcanço o final da rua mais escura do bairro, vejo exatamente o que temia: Cadu de punhos cerrados e o olhar tempestuoso, encarando Júlio, que se encolhia na calçada. Aperto o passo e ajudo Júlio a se levantar. Ele limpa o canto da boca com o dorso da mão enquanto me volto para Cadu indignada:

― O que você pensa que está fazendo, Cadu? - minha voz soa alta demais.

Dou um murro em seu peito, ele recua e segura meu punho. Do outro lado da calçada, Julio limpa o lábio inferior e explica:

― Ele não te merece, Valen! Esse canalha quer que eu minta para você. Quer que eu diga que inventei uma história que ele sabe que não inventei.

― O quê? - encaro Cadu, furiosa.

Após uma longa bufada, Cadu tenta partir para cima de Julio novamente, mas eu me coloco entre os dois. Sua respiração é arquejante, ele inspira fundo e exala o ar dos pulmões com muita força.

― Você não vai resolver as coisas assim, Cadu! Forçando as pessoas a encobrirem seus erros! - minha voz agora é mais baixa enquanto Cadu se afasta, curvando a cabeça.

Seus dedos parecem enxugar uma lágrima, mas é difícil ter certeza. Em menos de um minuto, ele se vira e sai correndo, e eu quase não o vejo dobrar a primeira esquina. Então me volto para Júlio:

― Você está bem? - coloco uma das mãos em seu ombro.

― Sim, Valen, ele só me acertou uma porrada que não tive tempo de devolver...

Noto que o sangue no seu lábio inferior estancou e dou um sorriso fraterno.

― Sinto muito. Não queria que nada disso estivesse acontecendo justamente antes do nosso acampamento... E, tudo bem se você não quiser...

― Não quiser ir? Tá maluca, Valen? Já está tudo certo pra mim. Claro que vou ao acampamento. Esse babaca não vai estragar o rolê mais legal do ano! - Júlio diz enquanto se dirige ao portão de sua casa, chacoalhando o molho de chaves na mão.

Solto um "Ufa" seguido de um sorriso tímido. Estou visivelmente constrangida com a situação.

― Você não imagina o quanto me deixou feliz agora. O Cadu não vai. Eu tirei ele da lista. Mas...

― Mas? - ele dá uma volta com a chave e se volta para mim.

― A Samanta vai. - falo subitamente e mordo meu lábio inferior.

― Ah, claro... Afinal, ela também é a sua amiga. Acho que devo preparar meu lábio superior pronto para receber outro golpe dela então, né?

Nós dois soltamos uma gargalhada e nos despedimos. Antes de seguir para o prédio, confirmo o horário de saída para o meu acampamento de aniversário num tom mais alto porque só me lembro de avisar o Júlio sobre isso quando já estou na metade do quarteirão de volta para casa. Acenamos um para o outro e sigo em direção ao condomínio.

Poucos metros antes de cruzar o portão de entrada, o vejo. Cadu está sentado sobre o muro onde eu e a Babi costumamos ver o pequeno universo que é o nosso bairro. Seus pés balançam no ar. Seu olhar é fixo e está voltado para algum ponto no chão.

Tudo bem, decido baixar a guarda e dividir o muro com ele. Então, é isso que faço. O arrependimento está estampado no rosto do Cadu, mas não consigo dizer se é pelo soco que deu no Júlio ou por ter mentido sobre a Lorena. Ele parece um garoto que derrubou seu sorvete favorito.

Ele levanta a cabeça devagar e mira meus olhos. Toda vez que ele me olha desse jeito, exerce um poder sobre mim que quase me faz esquecer suas últimas ações. Seu cabelo cai sobre um dos olhos, e ele o ajeita para trás antes de falar:

Sempre fomos nósOnde histórias criam vida. Descubra agora