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No final de semana do nosso tão esperado acampamento, minha mãe me acorda antes das cinco horas da manhã. E, pela primeira vez na vida, não puxo o edredom tentando ganhar mais alguns minutos de sono. Afinal, é o acampamento do meu aniversário! Iremos para Trindade e veremos o amanhecer na estrada.

Pulo da cama, visto minha camiseta favorita (aquela com a placa de trânsito do meu filme preferido: "Se for, vá em paz"), e confiro se coloquei tudo na mochila. Quase desisto de levar o biquíni que a Babi me deu. Fico ali, parada, imaginando todas as minhas estrias sendo rigorosamente contadas pelo universo inteiro na praia. Mas os conselhos da Bárbara sobressaltam às minhas inseguranças, jogo aquela minúscula peça no meio das minhas roupas íntimas, fecho o zíper da mochila e vou direto para a cozinha. Sobre a mesa está o kit de sobrevivência alimentar que minha mãe preparou para mim: algumas compotas de doces e alguns condimentos para realçar o sabor dos pratos caso eu não curta muito a comida do lugar. Minha mãe pensa em tudo. O cheiro de torrada recém-preparada invade a casa.

― Pronta para a aventura? - minha mãe pergunta, segurando duas xícaras de chocolate quente.

― Sim, mas estou insegura com uma coisa ― confesso, pegando uma das xícaras fumegantes e bebericando um pouco da minha bebida preferida de todas as manhãs.

Ela apoia os dois cotovelos sobre a mesa e descansa o queixo nas mãos, com o olhar entre curioso e preocupado me questiona:

― O que está te deixando insegura, Valen? Você não vai sozinha. Seus amigos estarão com você. Vai ter até um recreador no local esperando por vocês! ― eu fico pasma enquanto sua voz soa animada demais ao proferir a última frase.

Recreador. É exatamente isso que ela disse. Dona Clarice acaba de pronunciar a palavra RE-CRE-A-DOR. É, é bem visível o fato de que a minha mãe ainda me trata como se eu fosse uma criança de cinco anos de idade. Reviro os olhos, porque, sério, que adolescente possui uma mãe que contrata um recreador para um acampamento de aniversário de quinze anos de sua filha?

― Mãe, eu acabei de fazer quinze anos. Eu não vou brincar de caça ao tesouro com meus amigos no meu acampamento de aniversário. Mas já deu pra ver que você nunca vai me entender... - reviro os olhos mais uma vez e mordo uma das torradas.

Ela bufa e depois bate as mãos no quadril tentando se livrar de alguns farelos de pão.

― Eu estou tentando, filha. Estou tentando. - ela volta a colocar os cotovelos sobre a mesa. ― Ok. Vamos lá. O que está deixando a jovem Valentina insegura que não seja o medo que eu tenho de perdê-la e que acabo projetando na minha adorada filha? Diga para sua mãe, Valen...

― O tamanho do meu bíquini novo. - digo de supetão.

― Ah! Nossa! Aquele que a Babi te deu de presente no dia do seu aniversário?

― Exatamente esse.

É sempre muito constrangedor conversar com a minha mãe sobre meus dilemas pessoais. Ela sempre faz uma cara de quem não quer que eu tenha dilemas pessoais porque ter dilemas pessoais me torna mais velha do que Dona Clarice gostaria que eu fosse.

― Bem, filha, acho que as pessoas não estão muito preocupadas com o seu corpo além de você mesma.

Fico surpresa com o conselho dela. Aquela frase parece muito com as que a professora Lúcia costuma dizer. Ela continua:

― O que te incomoda no seu corpo? - ela assopra um pouco do chocolate quente e arqueia uma das sobrancelhas.

― As oitocentas e noventa e cinco estrias que possuo espalhadas no meu quadril― aponto os lugares e faço uma expressão de nojo em seguida.

Sempre fomos nósOnde histórias criam vida. Descubra agora