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O que mais eu esqueci sobre o Cadu?

Caminhamos em silêncio de volta ao camping enquanto devoro o hamburguer mais calórico que encontrei na saída do posto. Cadu acende um cigarro e, de vez em quando, chuta pequenas pedras pelo caminho, como se estivesse tentando afastar alguns pensamentos complicados junto com elas. Seus olhos se estreitam, fixos no horizonte.

― Está conseguindo caminhar numa boa? - ele me pergunta sem virar o rosto para mim.

― Sim, apesar dessa faixa de múmia na minha perna impedir o movimento completo do meu joelho. - respondo limpando a maionese no meu queixo.

Ele sorri.

― Acho que essa é exatamente a função de uma atadura: te transformar num zumbi manco com um joelho a menos para evitar que você faça besteira. - ele dá um meio sorriso, daqueles que sempre me deixam desconcertada. - Quer que eu te carregue no colo de novo? Seria mais fácil pra gente se você pudesse, só por hoje, incorporar a vibe "donzela em perigo" em vez de "marrenta", marrenta. Que tal?

— Nem pensar. Estou ótima. — minto descaradamente, quase tropeçando em uma raiz que, juro, não estava ali antes.

― Ok, então.

O silêncio entre nós retorna. E minha memória também. O que mais eu esqueci sobre o Cadu?

E então lá está o guarda-chuva rosa. O famoso, infame, novo, horroroso para sempre odiado guarda-chuva rosa salpicado de bolinhas brancas brilhantes (sim, com glitter) que ganhei de aniversário do meu pai, que nunca soube a minha cor favorita. E lá está também a dona Clarice, a senhora minha mãe, me obrigando a ir para a escola como uma Barbie miniatura em dias de chuva. E lá estou eu, com dez anos, preferindo me encharcar e acabar com pneumonia a abrir aquele monstro cor-de-rosa em público e antecipar o Carnaval em Ésse Pê.

E então, lá está ele. O Cadu, com seu guarda-chuva preto sóbrio e discreto, correndo atrás de mim para me salvar da minha própria família "meninos usam azul, meninas usam rosa com glitter". Com. Glitter.

Será que ele lembra que já me salvou de me tornar uma fada? Ou será que estou delirando demais e isso apenas virou só mais uma dessas memórias de infância que a gente jura que aconteceu, mas ninguém mais lembra? Arrisco trazer o infame guarda-chuva rosa à tona (quem diria, não é mesmo?):

― Sabe, essa coisa de você tentar me salvar... está me lembrando de uma outra vez.

― Ah é? Quando foi que eu te salvei de novo? ― Ele me lança um olhar curioso, o meio sorriso ainda lá.

― Você não lembra? ― tento imitar a expressão que ele fez mais cedo, quando me lançou a mesma pergunta, mas acabo não conseguindo esconder o riso. ― Em dias chuvosos, eu tinha, sei lá, uns dez anos. E tinha aquele guarda-chuva... ― faço uma pausa, observando sua expressão.

― Hum, não sei... ― Ele finge pensar, mas o sorriso começa a se formar em seus lábios. ― Preciso de mais detalhes.

― Ah, você sabe, aquele guarda-chuva rosa com glitter, salpicado de bolinhas brancas brilhantes, que parecia ter saído direto de um conto de fadas. ― reviro os olhos, mas o riso escapa.

― Sério, glitter? ― Ele ri, agora claramente lembrando.

― Era a moda na época. ― brinco, mas depois balanço a cabeça. ― Ou talvez só na cabeça da minha mãe, sempre tentando me transformar na menina dos sonhos dela. Eu detestava aquilo. Preferia me molhar do que ser vista segurando aquele troço.

― Então o meu guarda-chuva preto impediu você de pegar uma gripe por causa de uma birra contra a moda? Me sinto honrado. - ele solta uma risada divertida.

Sempre fomos nósOnde histórias criam vida. Descubra agora