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Ok. Dez pontos para o vinho proibido que a Babi trouxe para o acampamento e zero pontos para a frase: "Ele beijou a Lorena no mesmo dia em que beijou você, Valentina".

Sob o efeito de apenas uma única taça, resolvo ser um pouco mais atrevida (leia-se trouxa) e levantar. Peço mais uma taça de vinho para a Bárbara e vou até ele. Cadu está sentado em um tronco mais baixo, então me ajeito ao seu lado sem dizer uma palavra sequer. Ele dedilha "Outras frequências" no violão.

— Você trouxe essa outra taça para mim? - ele me questiona enquanto toca mais lentamente a canção e olha fixamente para a densidade da mata.

Ele não me encara. E eu também evito o contato visual. Ambos fingimos que estamos enxergando alguma coisa no horizonte escuro à nossa frente. Às vezes, é mais fácil encarar a escuridão do que lidar com as faíscas e clarões que podem revelar o que verdadeiramente sentimos.

— Na verdade, tô só tentando diminuir a quantidade de álcool que a Babi está consumindo. Então, quanto mais gente beber esse vinho, mais rápido ele acaba. - respondo.

— Ah... era sobre a Babi. Entendi.

— Ok, Cadu, ok. Estou desarmada. Vim aqui para te trazer o vinho e conversar. Não era sobre a Babi. - minha voz soa vacilante.

Ele apoia o violão no mastro, pega a taça da minha mão, toma um gole do vinho, me olha profundamente e pergunta:

— E sobre o que você quer conversar? - seu olhar é perscrutador.

Eu me volto para ele. Nossos joelhos se esbarram. Tomo um pouco de fôlego, arranho um pouco a voz e solto:

— Ok. Quero saber o que foi aquele beijo horrível que você me deu agora pouco.

— Eu apenas cumpri as regras do jogo. - ele responde e dá um gole maior na taça. — O Júlio me pediu para beijar uma garota como beijei a Lorena e foi exatamente isso que eu fiz.

— Ou seja, você quer me convencer que não colocou a língua na boca dela. - reviro os olhos.

— Eu quero te convencer que não a amo, que não sinto nada por ela.

Ele balança a cabeça e apoia as mãos nervosas sobre seus joelhos. Então, segura uma das minhas mãos com a ponta de seus dedos, acariciando-a enquanto aproxima o rosto do meu e continua:

— Você pode até não querer nunca mais ficar comigo, me achar um canalha e fugir de mim na mesma velocidade do Cometa Halley, mas aquele beijo representa exatamente o nada que eu senti quando beijei aquela garota.

Se a tentação tivesse um nome, se a tentação tivesse um rosto, uma boca, uma expressão, e glóbulos brancos e vermelhos na corrente sanguínea, com certeza seria chamada de Carlos Eduardo, filho da dona Lia, do segundo andar.

Ele chega tão perto que quase toca meus lábios, mas eu pigarreio e me empertigo.

— E o que você sabe sobre o Cometa Halley? - tento mudar de assunto.

Ainda sem tirar os olhos dos meus, ele responde:

— Hum...Bom... Que ele passou perto da Terra em 1986 e que sua próxima aparição será em 2061? Que você terá cinquenta e dois anos quando isso acontecer e que isso será um grande problema pra ele.

Faço cara de ponto de interrogação. Ele continua:

— Você estará belíssima. Halley não tem a mínima chance. Eu estarei com cinquenta e quatro anos e, enquanto o mundo inteiro estiver olhando para o céu, eu estarei olhando para você.

Eu sorrio e sinto meu rosto esquentar. Provavelmente minhas bochechas e a ponta do meu nariz estejam mais vermelhas que um molho de tomate, mas ele não pode me ver completamente. Pouca luz nos alcança vinda das labaredas da fogueira que ainda queima a uma pequena distância de nós.

Sempre fomos nósOnde histórias criam vida. Descubra agora