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Eu tinha catorze anos quando fui buscar um sorvete e nunca mais voltei. Ou, ao menos, nunca mais voltei a ter apenas catorze anos.

Era verão e, como em todos os outros, eu e a Babi não tínhamos grana alguma para nada além de um sorvete ao entardecer. Sentadas sobre o muro que cercava o prédio em que morávamos, sem nenhum horizonte além dos nossos irmãos jogando bola descalços, rindo e proferindo alguns palavrões, nós passávamos as tardes falando sobre a escola, sobre nossos planos para cabular as aulas de matemática e, claro, sobre nossas paqueras falidas. Eu e a Babi estávamos bem longe de ser as garotas mais populares do colégio. A gente nunca ia maquiada para a escola, não sabíamos nenhum passinho de dança do momento, e sequer tínhamos experimentado alguma bebida com o mínimo de álcool possível. E, claro, não tínhamos nenhuma chance, nenhuma chance mesmo, de chamar a atenção do Pedro, nosso crush desde a sexta série.

Mas naquela específica tarde de verão, em que o sol brilhava intensamente, aquecendo a nossa pele e fazendo com que o asfalto exalasse aquele cheiro característico dos dias quentes, tudo mudaria para sempre.

Carlos Eduardo, mais conhecido como Cadu, o filho da dona Lia do segundo andar, tinha voltado a morar com a mãe há bem pouco tempo, depois que seu pai faleceu. E eu, bom, eu teria a minha vida virada do avesso após seus olhos cruzarem com os meus, num estreito espaço do corredor em nosso prédio, naquela tarde em que fui buscar um sorvete e nunca mais voltei.

***

― Você viu quem voltou a ser nosso vizinho, Valen? ― Babi pergunta enquanto ajeito o rabo de cavalo em frente ao espelho do quarto.

Estamos indo comprar nosso sorvete.

― Não faço ideia. Mas pela sua cara de manteiga derretida, deve ser um novo Thomas do quarto andar, tão babaca quanto. ― digo, rindo, enquanto Bárbara revira os olhos. Ela odeia que eu mencione o cara que partiu seu coração em mil pedaços.

― Claro que não, Valen! Estou falando do Cadu, lembra? Aquele que foi morar com o pai assim que a Lia começou a beber demais. Eu sei que você se lembra dele, vai. Sei que você também lembra que ele não é, ou pelo menos não era, nenhum cafajeste quando saiu daqui. ― ela levanta uma das sobrancelhas, esperando uma resposta minha.

― Hum... acho que me recordo sim, mas bem vagamente. ― digo, e minha mente me lança a uma festa de aniversário em que um menino de aproximadamente oito anos tocava violão e cantava uma música enquanto sua mãe chorava e bebia ou, sendo mais sincera aqui, mais bebia que chorava. ― Ah, sim! É claro que eu lembro quem é o Cadu. Magrelo, cabelo caído nos olhos, tocava violão. Ele voltou?

― Magrelo?

― Magrinho e barulhento! De vez em sempre, ele ficava fazendo barulho com as carteiras do refeitório lá na escola. Ele voltou a morar aqui? Com a coitada da Lia e seus vexames por conta da bebida?

― Magrinho, Valen? Você acha que as pessoas ficam presas na idade que tinham na sua última lembrança? Como se elas congelassem no tempo? Va-len-ti-na, ele se transformou na versão morena do Humberto Gessinger! Simplesmente um gato, que continua com aquela mania de jogar o cabelo para o lado e olhar para a gente daquele jeito do Pedro, só que bem mais bonito.

Eu odeio quando ela me lembra o Pedro, simplesmente porque sei que ele só olha para gente daquele jeito para deixar seu rastro galanteador em todas nós. E eu simplesmente odeio não resistir a isso.

― Táááá!!! Ok. Já entendi que você tem um novo crush morador do segundo andar e estudante da nossa escola, mas agora a gente tem que ir, antes que o sabor do nosso sorvete acabe ou um deles derreta mais que você, Babi. ― dou uma risadinha de canto, enquanto coloco algumas notas amassadas no bolso da calça, pego meu celular de cima da mesinha de centro, abro a porta e fico esperando a Babi terminar de ajeitar seus cachos em frente ao espelho. ― Eu vou acabar te deixando aí, Babi, em 10, 9, 8...

Sempre fomos nósOnde histórias criam vida. Descubra agora