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O dia do meu aniversário amanhece chuvoso. Não vejo o Cadu no colégio nem recebo nenhuma mensagem dele me desejando seja lá o que ele quisesse me desejar. Acho que ele podia ao menos me enviar um "parabéns" seguido de algum palavrão que pudesse me lançar para o lugar que eu mereço após aquela mensagem sobre o Pedro. Eu sinto a falta do Cadu de um jeito estranho hoje, como se eu esquecesse que ele já havia ficado anos longe, morando com o pai, e sem que eu sequer me desse conta da sua partida. Hoje eu tenho quinze anos e ele não está em lugar algum para me lembrar de que foi ele, antes do próprio tempo, que me envelheceu. Seu presente é a sua ausência, uma palavra que não deveria ter definição no dicionário para fazer o nada ser uma explicação bem mais inteligente para certas coisas.

Finjo que estou bem com o sumiço repentino do Cadu, mas quando volto a passar pelo corredor onde ele apareceu como uma miragem naquele dia letal, eu recordo seu olhar e seu toque. Estamos voltando da escola. A Babi está comigo e quebra o silêncio com suas múltiplas intenções em relação à Samanta:

― Ontem eu iniciei um curso online chamado "Ela vai se apaixonar por você em 30 dias". Se você quiser posso te passar a minha senha para você testar a técnica com o Cadu. Esse pode ser parte do meu presente de aniversário para você, Valen! Topa?

― Cala a boca, Babi.

― É sério, funciona muito. Você viu só como a Samanta passou pela gente ontem?

― Como quem está com fome e se apressa para não pegar a fila gigantesca  da cantina? ― reviro os olhos.

― Nada disso. Ela mexeu no cabelo no exato momento em que olhei para ela. E isso não é coincidência, Valen. Isso é flerte. Mas sei que ela só fez isso porque dei a ela um gatilho antes. Quer saber qual? Hein? Hein? Hein? ― ela belisca a minha barriga enquanto me questiona.

― Ok. Qual é o gatilho?

― Uma música.

― Como assim uma música?

― Depois que passamos a noite conversando sobre o seu acampamento de aniversário pelo WhatsApp, eu enviei uma música para ela com a seguinte frase "Ouve essa antes de dormir". E não disse mais nada. Fiquei imediatamente offline após o envio e hoje dei um "bom dia" para ela com tanta naturalidade ao ponto de confundi-la.

― Meu Deus, Bárbara, você está agindo como um homem! Meio cafa.

― Não, Valen. Eu quero continuar sendo mulher, mas se eu demonstrar que tô muito na dela, ela vai me dispensar como geralmente todo mundo faz.

― Tá, e qual era a música que você enviou?

― "Thinkin Out Loud", do Ed Sheeran.

― Mentira! Você está muito canalha, Babi!

― Não, amiga. Eu estou conquistadora. Aliás, quando ela abrir o estojo dela, talvez neste momento ela possa estar fazendo exatamente isso, ou mais tarde se ela fizer a tarefa de casa, será que a Samanta faz as tarefa de casa? Bom, pode ser amanhã durante a aula, ela vai encontrar uma coisinha lá no meio das canetas dela.

― Como assim uma coisinha? O que é que você deixou lá?

― Não encana. Não são drogas, não usamos drogas, lembra? É um trecho da música que mandei, só que traduzida, porque realmente não sei até que ponto a Samanta estuda. Então escrevi a parte em que Ed diz algo assim "E estou pensando em como/ As pessoas se apaixonam de maneiras misteriosas/ Talvez seja tudo parte de um plano/ Bem, eu continuarei a cometer os mesmos erros/ Esperando que você entenda".

― Ou seja, você já está se desculpando antecipadamente caso decida ficar também com a Raquel ou com o Júlio no acampamento.

Ela dá uma risadinha e seguimos pelas escadas. Antes que eu entre pela porta do apartamento, ela me pede para esperá-la buscar o meu presente. Dou um sorriso e digo que estava tudo bem o presente dela ser apenas a senha do curso de conquista que ela comprou e que ela não precisava gastar a grana da mesada comigo mais uma vez. Mas, em cerca de dez minutos, a Babi volta com um embrulho razoavelmente pequeno.

― Abre. ― ela esfrega as mãos demonstrando certa ansiedade.

― Ok. ― começo a desembrulhar o pacotinho de modo bem destrambelhado e tenho um sobressalto. ― É um... biquíni? Babi, isso não vai entrar em mim.

― Vai sim e quero que você experimente e me mande uma foto ainda hoje. Nada de levar aqueles biquínis da época da sua avó para o acampamento. Eu te proíbo, Valen. Corre para experimentar! Te espero no Whats.

― É... tá, ok. Muito obrigada, Bárbara. Eu não mereço sua amizade, sabia? ― falo com lágrimas nos olhos.

― Você, sua mãe, sua avó, todas as mulheres da sua família acham que não merecem nada. Acho que já te disse isso antes, né?

Balanço a cabeça afirmando que sim e entro em casa. Minha mãe está terminando de preparar o almoço e, antes que eu prossiga até o meu quarto, ela faz um prenúncio:

― O Cadu passou aqui hoje cedo e deixou um envelope para você, filha. Deixei em cima do seu travesseiro, ok? A Lia bebeu muito ontem e ele teve de levá-la ao hospital. Apareceu aqui entre atônito e preocupado, pedindo para eu, por favor, entregar isso para você. Preferi deixar no seu quarto antes que eu esquecesse em algum outro lugar.

Meu coração quase salta do peito e vou correndo para o quarto. Em cima do travesseiro, está um envelope pequeno em tom carmim. Tento desdobrá-lo com mais delicadeza do que quando realizo as produções de texto solicitadas pela escola. Além de gostar muito de escrever, gosto muito de desvendar as letras das pessoas em textos manuscritos, principalmente destinados a mim.

Abro. Não é uma carta longa. Trata-se de um bilhete com um clips metálico prendendo algo atrás de um papel marfim com a letra dele. Começo a ler:

Feliz aniversário, Valen!

Seria mais fácil fazer como todo mundo faz e te dar um presente mais, digamos, material. Mas nós vibramos em outra frequência, marrenta. Meu presente é um momento, talvez um instante entre alcoolismo da minha mãe, o carnaval e os seus rabiscos na capa do caderno durante as aulas de matemática. O show é amanhã à noite. Te pego às 19h.

Atrás do bilhete, preso pelo clips, estão dois ingressos para o show do "Engenheiros do Hawaii" no Espaço das Américas.

Eu me jogo na cama e leio o bilhete de novo, de novo, de novo e de novo. Então me levanto atônita para fazer caber o biquíni que a Babi me deu no meu corpo ainda em desenvolvimento. E, para a minha surpresa, ele fica extremamente incrível. Realça as minhas curvas e me envelhece mais que o olhar do Cadu naquele fatídico dia em que nos encontramos no corredor do nosso prédio.

***
Dessa vez eu demorei um pouquinho para postar, mas postei!
Estou de férias, então terei mais tempo para investir nessa história!
❤️

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O bilhete do Cadu é fofo demais e nasceu dessa música aqui oh:

Sempre fomos nósOnde histórias criam vida. Descubra agora