Penso que eu deveria ter me demorado mais um tempo em frente àquele espelho e não ter botado o shorts surrado que visto agora. Mesmo sabendo que a gente nunca deve se vestir para eles, como diz a professora Lúcia nas aulas de história, a verdade é que a Babi estava mais preparada para esse encontro que eu, que estou me sentindo comum demais perto do Cadu. Ele não consegue estar de qualquer jeito mesmo sendo o cara mais despreocupado que eu já conheci. O Cadu carrega no jeito de andar um ímã tão irresistível para as garotas que, mesmo que ele estivesse de pijama do Bob Esponja, faria nossa pulsação se alterar. E eu estou agora a sua frente, sem nenhuma outra camada de encantamento que possa fazê-lo ver que eu não sou mais aquela menininha ingênua de quando ele partiu para morar com o pai.
― O-Oi, Cadu! - gaguejo para agregar ainda mais dissabor à imagem que eu sei que estou passando neste momento.
Sinto que não vou me recuperar desse vexame tão já. O único alívio que sinto é saber que terminei o meu sorvete antes de poder pagar um mico maior que este que estou pagando agora. Percebo um certo ar de desconforto em seus gestos. A Babi permanece estática ao meu lado, tenho a impressão que ela vai derreter de verdade.
― Que incrível rever você, Valen! É, e, bem, eu acho que você é a ... Bárbara, não? A filha da... - Cadu nota que estamos em duas.
Babi então, num salto, dá um passo elástico para frente e rapidamente responde:
― Isso! Sou a Bárbara, mas você pode me chamar de Babi, lindo! - ela realmente falou "lindo", eu não acredito, minha vergonha só aumenta!
Minha amiga então se inclina para receber um beijo do Cadu, quase encostando seus seios fartos no peito dele. Fico constrangida. Ele também.
Depois de corresponder ao gesto, Cadu volta seu olhar e seu corpo todo para mim. Meio desconcertada, noto que ele espera que troquemos o mesmo tipo de cumprimento que ele trocou com a Babi. Mas nenhum de nós dois sabemos bem como agir, até que ele quebra o gelo:
― Acho que faz uns três anos que não nos vemos, não? - assinto com a cabeça e grunho um "uhum" ― Você está tão...quer dizer, vocês, vocês duas estão tão incríveis!
Seus olhos neste momento parecem exercer um peso sobre os meus. Cadu me olha fixamente, e eu tento disfarçar a intensidade do que sinto internamente encaminhando o meu olhar para os meus pés e entrelaçando os dedos das minhas mãos. Nesse momento, a Babi já deve ter esquecido que o seu sorvete vai começar a se transformar em um líquido denso a escorrer pelos seus pulsos.
Ele continua inteiramente voltado para mim e tenta puxar outro assunto:
― Hoje cedo, sua mãe disse pra minha que você logo fará quinze anos, Valen...
Fico em pânico só de pensar que a senhora dona Clarice, mais conhecida como minha mãe, possa ter combinado com a Lia alguma festa cafona-surpresa para mim ou encomendado um vestido estilo princesa da Disney para comemorarmos a data. Já consigo imaginar a imagem equivocada que o Cadu deve estar fazendo de mim a essa altura.
― É, mas eu falei para a minha mãe que odeio festa de quinze anos, então talvez a gente vá acampar em algum lugar... ― tento tirar da cabeça do Cadu qualquer ideia infantil demais que a minha mãe possa ter criado a meu respeito.
― Pô, claro, acampar é a sua cara, Valen! Lembro que você se metia no meio do mato pra trazer amoras colhidas no pé para geral aqui no bairro ― como assim ele lembra das minhas estrapolias com tanta clareza? ― Falei dos seus quinze anos para dizer que você está bem, bom... como posso dizer? Para dizer que você está bem diferente!
Automaticamente deixo escapar um sorriso. Os seus olhos fixos em mim me fazem entender esse "diferente" como "bonita"? "Interessante"? "Madura"? Não tenho certeza, então agradeço e fico sem assunto. Eu não sei mais se devo ficar parada no meio do corredor revezando entre olhar para os olhos dele, para a sua boca se movimentando ou para meus pés e mãos, até a Babi sair do seu transe hipnótico e intervir com outro passo elástico na direção dele:
― Cadu, diga pra gente que você voltou para o colégio também e que amanhã levará seu violão para tocar Engenheiros no intervalo? Hein? Já posso pedir uma música? - Babi está claramente entregando tudo que o Cadu quiser que ela entregue. ― Toca "Eu que não amo você".
Ele dá um sorriso de canto para mim quando ela sugere a canção. Eu entendo ou fantasio que há algo na música sobre nós. Não sei se estou enlouquecendo, mas tenho neste momento a mesma necessidade que a Babi. Eu quero ouvir o Cadu cantar no intervalo o quanto antes.
― É, bom... ainda não sei se irei para a aula amanhã. Então acho que a música vai ter de ficar para uma próxima. - ele olha para o relógio ― E, droga, queria poder conversar mais com vocês, mas eu tenho que ir nessa... ― ele volta o olhar para mim e eu já não sei mais como fingir que estou ilesa.
A verdade é que me sinto nocauteada toda vez que ele sorri de canto, me olha e joga seu cabelo para trás.
― Então, a gente se vê...
Ele se aproxima do meu rosto, me dá um beijo de despedida e depois repete o gesto com a Babi. Mas o estalo do seu beijo no meu rosto demora um pouco mais. Consigo sentir o seu perfume invadir o meu corpo. Sua mão toca suavemente as minhas costas. Sinto que estou deixando de ter catorze anos naquele momento. A gente se afasta e ele me dá um último olhar antes de acender o seu cigarro e partir. É um olhar que me diz que nem tudo foi dito. Tem um segredo escondido atrás daqueles olhos castanhos que eu agora quero desvendar.
Mas, preciso cair na real, porque é meio óbvio que as garotas da escola estarão brigando por ele durante a semana. E eu claramente não quero fazer parte disso. A professora Lúcia vive dizendo que nós temos de ser mais unidas. E eu concordo com ela. Não faz sentido eu entrar nesse jogo. Aliás, o Cadu só me olhou desse jeito porque ainda não viu a Lorena caminhar pelo colégio. A Lorena não é uma garota comum. A Lorena é uma Torre Eiffel com pernas. Então, eu sei que preciso esquecer este dia rapidamente.
Quando Cadu já está fora do alcance de nossa vista, Babi me dá outro beliscão:
― Porra, Valen, você podia ter convidado ele para acampar com a gente no seu aniversário!
― Babi, a gente nem conhece ele direito. Quer dizer, a gente precisa conhecer ele de novo, entendeu? Ele está muito diferente!
― Você quis dizer bonito pra caramba, fala!
― Tááá, oook. Bonito pra caramba. Mas ainda assim um completo estranho.
― Um completo-estranho-bonito-pra-caramba!
Não consigo conter o riso. Acabo rindo com ela.
― Hahaha! Ooook! Você venceu, Babi! Um completo-estranho-bonito-pra-caramba!
O dia termina, mas a minha noite não. Por que raios o Cadu não voltou magrelo e esquisito como antes? Por que ele me olhou daquele jeito perscrutador? Por que ele não irá para o colégio amanhã? Eu não posso querer que ela vá ao colégio amanhã porque a Lorena estuda na mesma escola que a gente, então não faz muito sentido que eu queira ver acontecer o que eu tenho certeza que irá acontecer. Mas eu quero. Eu quero vê-lo mais uma vez. E cantando "Eu que não amo você".
***
Não se esqueçam de votar!
Vou tentar postar um capítulo por semana!!!Será que o Cadu não vai meeeesmo aparecer no colégio amanhã?
Talvez... quem sabe... cantando essa aqui:
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Sempre fomos nós
Teen FictionQual é a fórmula mágica para o primeiro amor? E quando a garota em questão não tem lá uma autoestima assim tão elevada e se apaixona justamente pelo novo garoto popular da escola? E quando esse garoto é também o seu vizinho? Valen é uma adolescente...