15

34 3 0
                                    

"Vou"

Breve assim é a minha resposta para o Cadu. Irei sim comer uma pizza na casa dele à convite da Lia, que provavelmente já sabe o que rolou entre a gente e vai querer se comportar como minha sogra a partir de agora e não apenas como a vizinha amiga da minha mãe. Coloco uma blusa preta de decote halter que valoriza meus ombros e uma calça jeans clara com um caimento encorpado. Desço as escadas até o apartamento do Cadu, no segundo andar. Quero estar encantadoramente resoluta para terminar o que nem sei se existe entre eu e o filho da minha quase-sogra-vizinha.

Toco a campainha. Cadu abre a porta e seu perfume amadeirado invade as minhas narinas. Sua camisa de linho branca está parcialmente desabotoada na parte superior, o que deixa parte do seu busto à mostra. A combinação com sua bermuda de sarja cinza chumbo revela um Cadu menos músico e mais caseiro, do tipo "namorado-das-tardes-de-domingo", daqueles que nunca tive, mas que julgo parecer com aqueles caras que carregam um ar sossegado como o que tem o Cadu agora. Ele se aproxima do meu rosto com intenções claras de me cumprimentar com um beijo breve na boca. Eu recuo. Ele franze o cenho e não insiste.

― Que bom que você veio, marrenta. Minha mãe não ia me deixar comer nenhum pedaço enquanto você não chegasse. - Cadu solta um riso curto mostrando propositadamente seu sorriso cativante enquanto encosta seus dedos nos meus e me conduz para a sala - Entre.

Na parte próxima à sacada, Lia estende uma toalha sobre a mesa e coloca duas pizzas fumegantes sobre suportes curvos de madeira barata. Ela abre um sorriso receptivo quando me vê.

― Que bom que você chegou, Valen! Pedi para não colocarem nada nas bordas da pizza por sua causa. Sua mãe sempre me disse que você não gosta de invenções demais nas massas, e que a sua preferida eram todas com queijo. - Lia aponta para uma das duas pizzas sobre a mesa com olhos de contentamento.

― Muito obrigada pela pizza, Lia. E por ter pensado em pedir uma com queijo.

― Imagina! Você é uma gracinha de menina. Quer tomar refrigerante ou suco? - quase reviro os olhos ao ouvir o apelido "gracinha" que me infantiliza demais, mas disfarço bem, afinal a Lia me conhece desde quando eu estava na barriga da minha mãe e sempre usou palavras no diminutivo para se referir a mim.

― Prefiro suco, Lia.

Cadu levanta os olhos demonstrando espanto.

― Suco?!

― Sim, por quê? - questiono-o.

― Apesar da minha mãe ser uma alcoólatra assumida, não temos vodka nesse momento para você misturar ao suco e fazer o que fez comigo no show do seu aniversário! - Cadu solta uma gargalhada, achando graça da sua própria piada enquanto eu e a Lia lançamos para ele um olhar implacável.

Pronto. Temos um clima de tensão no ar e eu nem comecei ainda o discurso do término. Lia tenta não parecer constrangida e começa a colocar os pedaços de pizza nos pratos com a agilidade e a rapidez de quem tenta esconder um mal-estar.

― Filho, busque o suco de tangerina que deixei no congelador e sirva sua namorada, enquanto procuro esquecer que você me chamou de alcoólatra na frente da minha nora. - Lia encontra na sátira um modo de sair daquele embaraço e afrouxar um pouco sua face sisuda.

Apesar de fisicamente não se parecerem tanto, Cadu e Lia possuem um jeito cômico muito semelhante. Desde muito nova lembro-me de ver minha mãe rindo toda vez que a Lia aparecia em casa para lhe fazer companhia enquanto cozinhava. Recordo também do que dona Clarice dizia quando ela ia embora: "Não sei como a Lia consegue ser tão jovial assim ganhando apenas o suficiente para comer e encher a cara de pinga". Ao mesmo tempo também consigo reviver alguns momentos da minha infância nos quais o Cadu sempre empregava alguma pilhéria no grupo de meninos e conseguia ter muitos amigos por isso. Até mesmo os meninos mais velhos queriam ser amigo dele porque sabiam que o riso estava garantido na sua presença. No entanto, a verdade agora era outra. Sua piada não havia soado engraçada, mas ácida. Ele tinha sido mordaz com a própria mãe e havia feito isso na minha frente.

Sempre fomos nósOnde histórias criam vida. Descubra agora