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Há exatamente duas semanas que estou morando na casa do meu pai. Sim, meu pai. Thatcher. Ao vivo, cores, decadência e álcool.

Desde a briga com minha mãe, ela fez o possível e o impossível para contatar Thatcher e descobrir em que buraco ele estava metido, e, de quebra, dizer que estava enviando uma bomba para que ele lidasse: a minha pessoa. Sei que ele não gostou da ideia, a forma como ouvi minha mãe insistir com ele ao telefone foi a evidência disso, mas ela não o deixou a quê de escolhas. Ou ele me aceitava em sua casa, ou me aceitava. E, claro, ela falou poucas e boas quando ele, supostamente, julgou a forma com que ela me criou, já que eu estava assim lá tão impossível de lidar, de acordo com as próprias palavras dela. Ouvi-a dizer a Thatcher que ele também tinha culpa no cartório, por ter ido embora e deixado toda a responsabilidade nas costas dela; que se ele não deu um bom exemplo, não tinha direito de cobrar nada; e também que, se eu estava agindo como estava, poderia ser por culpa dos genes da família deslocada dele. Sim, ela disse. Tudo enquanto eu arrumava minhas malas.

Na manhã seguinte ele me buscou e me deu um abraço desajeitado. Dois anos depois da última vez que nos vimos. Dois anos depois da pior noite da minha vida, em que ele chegou bêbado em casa, xingou minha mãe por não ter deixado comida o suficiente para ele e ela o mandou embora. Lembro exatamente a forma como ele a xingou enquanto juntava seus trapos na mochila que usava para trabalhar e também como ele vomitou no chão antes de descer as escadas cambaleando. Ellis limpou aquela porcaria chorando e perguntando para Deus porque ela não podia ser feliz por pelo menos um dia na vida. Eu o soltei subitamente quando me lembrei disso. Não queria mais seus braços ao redor do meu ombro, como se ele tivesse se redimido e mudado depois de tudo, como se ele fosse uma boa pessoa. Thatcher não o era. E fez minha mãe sofrer.

Quando olhei para cima, na janela do quinto andar, ela estava lá. Olhando para nós, com uma feição indecifrável. E mesmo que eu soubesse que, por dentro, ela devia estar pensando que agora sim tudo estava em seu devido lugar, senti que não deveria tê-la feito passar por tudo aquilo comigo. E me culpei por ter sido, nos últimos meses, a filha bastarda que a fez relembrar tudo de pior que já passou com o ex marido. Apesar de tudo que ela fez comigo.

Mas mesmo assim, eu me recompus como a bela idiota que faz tudo errado, e entrei no Chevy Malibu 1973 dele, que estava detonado por dentro e por fora e fedia ardentemente à cachaça. O que é autoexplicativo.

: ˖𓂃 ִֶָ๋ 𖢆 ִֶָ

Duas semanas depois da pior consequência e escolha da minha vida, ainda estou nesse fim de mundo. Dividindo um apartamentinho meia boca com meu pai, em Arleta, um bairro sombrio e perigoso onde o tráfico corre solto, à norte de Los Angeles. Sofrendo? Não. Pagando todos os meus pecados. Eu trabalho o dobro que trabalhava na casa da minha mãe, porque além de lavar, passar e cozinhar, também sirvo de empregada para os amigos esquisitos do meu pai que frequentam a nossa casa. Faça chuva ou sol, eles estão aqui. Enchendo a cara, debulhando amendoins, sujando o chão inteiro e jogando cantadas ruins em mim.

Eu estava vivendo o meu pior pesadelo.

: ˖𓂃 ִֶָ๋ 𖢆 ִֶָ

Era noite de domingo, o último dia oficial das férias e tudo que eu queria era sair daquele apartamento quente e abafado e passear um pouco. Não sei... Qualquer lugar para mim seria válido. Mas eu não tinha mais ninguém. Quer dizer... Eu não tinha celular, meu pai não me deixava usar o telefone fixo e nenhuma das minhas amigas sabiam onde eu estava. Aconteceu que, por um momento, que de sórdido se alongou por uma hora, eu desabei, com saudades de tudo. Da minha vida comum, que não era perfeita mas era minha, de Arizona, de Keps, da minha mãe… E do amor de Addison. E chorei debaixo do chuveiro. A água gelada escoando pela minha pele trêmula, enquanto um pequeno rio de lágrimas inundava meus olhos.

Impermanência𓂃 ִֶָOnde histórias criam vida. Descubra agora