07 - Refúgio Oculto

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Do lado de fora, Myuspencer o esperava próximo ao seu espeedar, encostado no veículo parado do outro lado da rua. Mewhicann desceu as escadas e seguiu pela parte reta do jardim do cemitério, em direção ao portão. Ele vinha cabisbaixo com seu olhar vago e desenganado ao fitar o chão e, no rosto, a costumeira expressão sombria e sem emoção alguma, porém, ao mesmo tempo, assustadoramente séria.

Com as mãos nos bolsos do sobretudo, agora parte encoberto por um manto longo e escuro que vestira por cima, ele se assemelhava a um emissário da morte caminhando por entre aqueles túmulos sob a chuva fina e silenciosa, enquanto um vento gélido que parecia combinar propositalmente com o local e a ocasião fazia seu manto negro esvoaçar da maneira mais mórbida possível.

- O Grande Rei disse mais alguma coisa? - perguntou, ao se aproximar de Myuspencer protegido sob um guarda-chuva, parando a certa distância dele.

- Não, ele só pediu que eu lhe entregasse o mais rápido possível - o embaixador respondeu, colocando o holodisco nas mãos do sogro.

- Entendi. - Mewhicann observou o holodisco uns instantes e o guardou, virando-se em seguida. - Até outra hora, Spencer - ele disse, tomando a direção oposta.

- Não quer uma carona, sogrão? Eu te deixo em casa, entra aqui - convidou o embaixador, abrindo a porta do espeedar e oferecendo o banco do passageiro para Mewhicann.

O magistrado parou antes de dar mais um passo e apenas virou a cabeça.
- Agradeço, mas não precisa. - Enquanto falava, Mewhicann esticou o braço direito como se segurasse um bastão no ar, e imediatamente, uma vassoura de madeira de vidoeiro e hastes verde-musgo se materializou em sua mão - Diga à minha filha que mandei lembranças.

Com essas palavras, ele vestiu o capuz do manto, encobrindo a cabeça e se sentou sobre a flutuante vassoura funesta. A mesma levantou voo, partindo com Mewhicann dali. Myuspencer apenas observou, enquanto o bruxo sumia pelo céu. Ele não se ofendeu pelo sogro não aceitar a carona, pois o conhecia há décadas e entendia seus motivos para ser assim. O modo como Mewhicann agia nunca fez Myuspencer se sentir ofendido. O embaixador, na verdade, se sentia muito triste por ele e sempre tentava dar seu melhor para ajudá-lo quando podia.

Cruzando os céus sobre a vassoura enfeitiçada, Mewhicann conduzia para a parte mais distante do reino ilha. Um vento cortante batia forte contra seu rosto, oculto pelo capuz engajado em seus chifres. Ao olhar de relance, ele podia ver os outros felins lá embaixo, a maioria vivendo seu cotidiano, outros, acabando de recomeçar sua vida.

Homsafetown, que oficialmente se chamava Nova Homsafetown, era formada por duas ilhas principais e por um apanhado de algumas menores divididas em províncias, num local afastado a sudoeste do Oceano Tormenta, oculta de grande parte do resto do Mundo Puro. Seus habitantes tinham um motivo válido para se manterem isolados: eles eram todos reversos.

Não que "todos" fosse um grande número. Em sua maioria, os que residiam na ilha eram exceções de reversos com um bom coração, que fugiram de seu mundo infernal - aquele mundo profanado onde não conseguiam se encaixar e nem ao menos viver - e que, por fim, encontraram um refúgio nesse reino escondido.

Mewhicann tinha se unido aos reversos refugiados há muito tempo. Seu pai - um antigo bruxo cruel que respondia diretamente ao Rei Reverso da época como seu Chanceler Real - havia despachado o próprio filho de apenas dez anos a Homsafetown com a missão de espionar suas defesas e entregar seus pontos fracos.

Contudo, embora ainda fosse só um garoto, o senso de certo e errado de Mewhicann foi mais poderoso do que as vis ameaças de seu pai. Sendo assim, ao invés de os trair e entregá-los, o jovem Mewhicann se juntou a eles e, desde então, usava sua forte magia para ajudar a protegê-los.

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