35 - Portões do Inferno

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À beira do abismo sobrenatural, onde qualquer luz de esperança jamais ousaria penetrar, Devimyuu dirigia seu olhar — impávido e compenetrado — para o local que podia ser considerado um reino abandonado de demônios desgarrados. 

Embora bastante similar, àquele lugar não se tratava do inferno propriamente dito. Tarbyss era como um tipo de purgatório, pois se tratava de um ponto intermediário onde o físico e o sobrenatural colidiram, se tornando como um. Ali, no exato epicentro do Mundo Reverso, era dito ser o exato local onde Ghanog caiu após sua expulsão e queda da gloriosa dimensão dos deuses. Um território desolado, mergulhado na escuridão de uma maldição eterna.

Um silêncio perturbador pairava no ar, quebrado apenas pelo crepitar de chamas eternas e pelos gemidos sussurrados no vento fantasmagórico. Devimyuu sutilmente desviou os olhos na direção periférica ao seu lado, onde uma condensação de energia em espiral, relampeando reflexos de raios azulados de magia, gradualmente surgia próxima a ele. 

O portal criado a partir de um lácrima enfeitiçado se formou por completo, trazendo a presença do Chanceler do Rei, graças ao feitiço de teletransporte que sua majestade havia deixado sob posse de seu leal braço direito.

— Já não era sem tempo — reclamou Devimyuu num tom severo, pois já fazia muito que esperava Meowsek chegar com o último ingrediente para o ritual que estavam prestes a dar início.

— Desculpe a demora, milorde… É que não é tão simples e rápido assim encontrar uma fêmea que  ainda seja virgem. — Ele se justificou, ocultando a verdade mas sem estar mentindo, tecnicamente, pois enquanto não conseguissem expor todas as ações de Mewlith que resultaram na partida de Chemewrry do palácio e consequentemente, no impacto que isso causou na amizade de Devimyuu com ela, Mewosek preferia manter suas visitas a bruxa culinária em segredo. 

— E depois que conseguiu o sangue, ela por acaso continuou virgem? Ou devo supor que essa foi a causa para esse seu atraso ridículo?! Porque eu sei bem como você é! — Devimyuu exclamou, trazendo um olhar duvidoso condenatório ao seu Chanceler e amigo de décadas.

Devido a seus reais sentimentos por Chemewrry e em respeito pela assexualidade dela, a bela fêmea era a única pessoa com quem Mewosek tentava abstrair de se imaginar suprindo tais tipos de desejos. Sendo assim, a suposição de seu rei soou no mínimo irônica para ele. 

— Milorde, eu posso ter demorado um pouco, mas se esse fosse o caso, eu precisaria de muito mais tempo… — Ele disfarçou, ao mesmo tempo tentando se gabar. 

— Não segundo o que eu ouvi Silmyuu dizendo para as outras criadas… — Devimyuu o provocou, trazendo tal fato à tona.

Imediatamente, Mewosek arregalou os olhos; seu rosto se contorcendo numa expressão inconformada.

— Ela disse O QUÊ?!

Satisfeito ao ver o resultado de sua provocação, Devimyuu nem se deu ao trabalho de responder e apenas materializou seu magnífico par divinal de asas de plumas negras, e saltou num rasante rumo à garganta do abismo. Sem opções, Mewosek foi obrigado a segui-lo fazendo uso das asas de harpia que procediam de seus braços, as ampliando até que suas penas alaranjadas quase os cobrissem por inteiro. No entanto, o Chanceler fez uma nota mental para tirar essa história a limpo com Silmyuu mais tarde.

Pousaram na vastidão árida, onde o ar impregnado de miasma e a atmosfera coberta por uma fina camada de cinzas, sufocaria qualquer fragmento de vida. Árvores pútridas e retorcidas estendiam-se como dedos grotescos em direção ao céu rubro. Lápides destruídas, marcadas por inscrições indistintas, jaziam espalhadas pelo solo quebradiço como se brotassem misteriosamente de forma macabra.

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