VIII - A noite é uma amiga

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Tocaram à campainha, mas o Brad não lhes foi abrir a porta. Mike espreitou pela janela estreita situada na lateral da ombreira. Colocou uma mão em concha para cortar a luminosidade dos candeeiros da rua, mas estava tudo escuro no átrio da casa.

Endireitou-se.

– Bem, vamos dar a volta e entramos pelas traseiras. Ele deve estar entretido com alguma coisa e não nos ouviu.

– Sim.

– Também não faz mal se não entrarmos pela porta da frente... As pessoas normais usam também as portas das traseiras. Acho que até se usa mais essa porta!

– Podes saltar e alcançar a varanda do segundo piso. Carregas comigo nesse salto, entramos por aquela janela ali...

– Não vamos exagerar, Rob! Queres chamar as atenções?

– Ninguém está a ver-nos. É tão tarde...

– Nunca subestimes os teus vizinhos.

Mike espreitou brevemente para o terreno defronte do alpendre. O relvado queimado, a cerca derrubada, o caminho desalinhado com pedras soltas e terra revirada. Crispou a testa com tristeza.

– Temos de tratar do terreno da parte da frente. Está realmente muito descuidado.

– E tratar do resto da casa também. Só temos o átrio apresentável...

– É uma boa ideia. Uma tarefa para fazermos depois das aulas. Hum?

– Com os meus feitiços, posso sempre ajudar.

Mike sorriu ao irmão.

– Excelente ideia, Rob. Isso será uma novidade. Tu nunca usaste os teus feitiços para arrumar nada, nem que a tua vida dependesse disso... Lembras-te daquela vez em que tivemos de fazer as malas à pressa porque a polícia nos vinha bater à porta? Foi naquela cidadezinha pequena que tinha um culto estranho liderado por supostas bruxas, que não passavam de uma elaborada fraude, como descobrimos depois de as teres desmascarado. Elas queriam tirar-nos a pele para se vingarem dos nossos dons que invejavam. Meteram a polícia atrás de nós e tivemos de nos despachar ou acabávamos exibidos à cidade como criaturas malignas que era preciso destruir em rituais cruéis. Ao melhor estilo dos fanáticos, que destroem tudo o que não compreendem e que lhes desafia a autoridade. E tu, nem assim, usaste os teus feitiços!

– Tenho uma memória curta, Mike. Nunca me lembro de nada.

– Ah, pois claro. Quando te convém.

– Não me lembro de nada disso...

– Rob, não ofendas a minha inteligência. Claro que te lembras. O Brad chorava lágrimas que se evaporavam assim que lhe tocavam a pele lívida, eu estava muito nervoso e tinha-me transformado numa besta que era um cruzamento entre um lobo e um morcego, rosnava para todo o lado, faminto e incontrolável... Os habitantes da cidade reuniam-se na praça principal, como uma turba violenta dos tempos medievais, disposta a linchar-nos, instigada pela bruxa que chefiava aquilo tudo.

O feiticeiro encolheu os ombros, numa atitude que desvalorizava a questão e as lembranças. Mike revirou os olhos, abanou uma mão.

– Está bem, não te lembras. Ou melhor... fazes bem em não te lembrar.

Rodearam a casa que estava quieta e escura, pisando as ervas daninhas e o mato rasteiro que, entretanto, tinha crescido junto às paredes. Alcançaram a porta dos fundos, uma saída secundária da despensa que comunicava com a cozinha que se encontrava entaipada. Duas tábuas toscas cruzavam-se na parte superior, pregadas com pregos ferrugentos na moldura estragada.

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