XVII - Arriscar e ganhar

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O olhar de Mike cruzou-se com o da Anna.

Foi durante um dos intervalos do final da manhã. Levantou a cabeça e captou a moça a observá-lo. Foi um momento muito breve, dois, três segundos, mas foi o suficiente para que um universo inteiro fosse criado e implodisse, desaparecendo. Mike experimentou um choque elétrico, calor, uma desestabilização ao nível molecular, a força do seu coração morto a querer arrancar e desatar a bater como antes. Sabia que ela estava a reagir de forma parecida, com o acrescento de que estava viva, de que tinha sangue a correr nas veias, de que o seu corpo aquecia, de que o seu coração batia.

No pátio, nas pausas entre aulas, os irmãos Park ficavam num canto que tinham escolhido para ser seu. Juntava-se os três aí, muitas vezes em silêncio, naquela pose meditabunda e hirta que adotavam quando se desligavam do mundo e pairavam sobre paisagens mentais estranhas para as pessoas comuns. Rob, por ser um feiticeiro, era o que meditava mais, mas os dois vampiros, por uma necessidade de recuperação de energias, também tinham aprendido a fazê-lo. Desligavam-se, simplesmente. Como não dormiam, era esse o mecanismo que usavam para se manterem saudáveis.

No pátio da escola, no meio dos outros estudantes, tinham sempre algum cuidado para não se relaxarem demasiado e serem apanhados nos respetivos transes. Dos três, Brad era o mais distraído, mas o Rob conseguia ser o mais alheado e era constantemente avisado pelos irmãos, com cotoveladas e pontapés nas canelas, para que acordasse. Mike irritava-se, Brad acalmava-o, Rob encolhia os ombros e sorria-lhes.

Ao serem três acabava sempre por haver um desequilíbrio que desempatava uma qualquer situação em que dois estavam em desacordo. Esse tinha sido um dos conselhos mais preciosos do mordomo. Quando se decidissem a sair da mansão, eles tinham que sair sempre em grupos ímpares para não se desagregarem no meio de alguma zanga ou desavença. Alguém precisava sempre de lançar juízo sobre uma situação difícil, complicada ou exigente. Mike recordava-se muitas vezes desse conselho e acabava por não ficar muito tempo aborrecido com os modos descontraídos do Rob ou com as leviandades do Brad.

E foi num desses intervalos, em que os três estavam simplesmente parados no pátio, no habitual círculo, uns de frente para os outros a fingir que conversavam, que o Mike topou a Anna.

De seguida, tocou a campainha a chamar os alunos para o próximo bloco letivo.

– Está tudo bem?

Mike olhou para Brad que lhe fizera a pergunta. O lábio superior arrepanhou-se, soltou uma rosnadela baixa e respondeu, após aclarar a garganta:

– Sim, está tudo bem. Vamos? Não quero chegar atrasado à aula de Matemática. O professor é um pouco fundamentalista em relação a atrasos...

– Não me pareceste bem.

– Porque é que dizes isso? – disfarçou Mike estugando o passo, projetando os ombros para diante como se quisesse fugir dos irmãos e entrar primeiro do que eles no edifício.

– Foi a Anna Hillinger – disse Rob.

– Ah! – exclamou Brad.

Uma sensação de quase dor atravessou-lhe o peito e Mike virou-se com segunda rosnadela. A intromissão naquela questão incomodava-o porque era como se lhe apontassem uma falha, um defeito, uma vulnerabilidade. Uma forma de o atingir, desconjuntar e destruir. Eliminá-lo. Seria a moça um ponto fraco? Ele não podia deixar que ultrapassasse esse limite. Ele não tinha qualquer ponto fraco.

– Não se passou nada com a Anna Hillinger – avisou. – E quero que a deixem em paz.

– Ei, Mike... nós não nos metemos com a Anna – replicou Brad espantado com a sua atitude.

Os Irmãos ParkOnde histórias criam vida. Descubra agora