XXXI - Dores inevitáveis

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A Anna entrou, pela primeira vez, na casa dos irmãos Park. As outras visitas só tinham permissão para conhecerem o átrio e o quarto, mas, em relação a ela, deram-lhe acesso à sala. Não se sobressaltou ou fez má cara. Numa maneira estranha, que eles não sabiam interpretar, talvez tivesse a ver com o facto de estar ligada ao Mike e de confiar neles, pois nada naquele cenário empoeirado e caótico de teias de aranha, sujidade e bichos rastejantes lhe fez impressão.

Ela olhou em volta num relance casual. Estava à procura de uma cadeira para se sentar, provavelmente, porque depois dessa observação rápida do compartimento, a verificar os seus enormes defeitos sem choque ou censura, sentou-se no chão, sem se importar se estava a sujar a sua roupa. Cruzou braços e pernas, olhou para cima e disse:

– Estou aqui. Digam-me o que é preciso fazer.

Os três irmãos, atrapalhados com o seu à-vontade, limitaram-se a segui-la atá à sala, a vê-la sentar-se, a esperar por tudo menos pela sua resolução em ajudá-los, sem uma bateria de perguntas e de hesitações, sem uma sessão de esclarecimentos prévia.

Foi o Mike que combinou tudo com a Anna no baile de Natal que tinha acontecido dois dias antes. Ela insistia em querer ajudá-los, ele acabou por concordar e pediu-lhe que aparecesse na sua casa para tratarem do processo. E ela obedeceu. E ali estava a Anna, sentada no chão sujo e degradado da sua sala, pouco incomodada com a penumbra que velava o ambiente, os ruídos esquisitos que vinham das paredes, o cheiro nauseabundo, a desarrumação geral da divisão.

– Então?

Brad avançou um passo, de mãos nos bolsos das calças.

– Bem... Estás a colocar-nos um problema novo – admitiu.

Pelo canto do olho viu Rob assentir. Mike estava só embaraçado. Não lhes tinha contado sobre a proposta da Anna e nem se preparara para a eventualidade de ela os ir visitar imediatamente. A paixão que sentia pela moça não explicava o seu desnorte. Poderia justificar uma parte, mas, na verdade, Mike continuava a desconfiar da coragem e do propósito da Anna. Esperava que ela desistisse quando refletisse melhor sobre o assunto. Pelos vistos, estava enganado. Redonda e maravilhosamente enganado.

– Um problema novo? – admirou-se ela.

– Sim, Anna. Nós também não sabemos o que é preciso fazer... Desconfiamos de como será, mas desconhecemos o método, os passos, os resultados intermédios e finais, o que pode correr bem e o que pode correr mal.

– Não acredito – desabafou, incrédula.

– Pois acredita – reforçou Brad. – Essa hipótese nunca nos foi colocada desta maneira tão veemente. Sabemos que podemos ser reconvertidos em rapazes normais através de uma espécie de ritual, assim como nós podemos transformar uma pessoa normal numa criatura sobrenatural... foi o que fizeram connosco há muitos anos... mas nunca nos debruçámos seriamente sobre a mecânica de tudo isso. Reconversões e transformações. Durante a nossa aprendizagem para sermos mais civilizados, daí que consigamos ir a aulas como qualquer outro aluno das nossas idades, andar na rua sem nos destacarmos, conviver contigo e com outras pessoas, o tema foi abordado ao de leve, apenas para que tivéssemos esse conhecimento. Nunca se tentou colocá-lo em prática com exemplos evidentes, em que pudéssemos perceber o que se tinha de fazer.

Os ombros dela descaíram.

– Isso quer dizer... que pode nem ser possível? – perguntou.

– Não. É possível. Mas temos de aprender primeiro como fazer. O mordomo... hum, o nosso professor especial, que nos ensinou tudo, nunca quis revelar esses segredos mais complexos sobre a nossa condição. Acabamos por não precisar disso no nosso dia-a-dia.

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