XII - Dois vampiros e um feiticeiro

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Eles nunca se viam ao espelho. Confiavam na sua aparência que se mantinha durante anos num nível decente e civilizado, ao ponto de não provocarem espanto e censura. Confiavam, sobretudo, na apreciação que faziam uns dos outros. De resto, para Mike e Brad era impossível utilizarem um espelho, pois não tinham reflexo. E Rob nunca estava interessado em conferir a sua imagem, por se achar naturalmente encantador.

Naquela ocasião que era especial acharam necessário saber se estavam apresentáveis. Fizeram um círculo no átrio da sua casa e puseram-se a observar-se mutuamente para verificarem se estavam vestidos e disfarçados de acordo com as exigências da festa de mascarados do Charles Elliot.

No início, Mike tentara esquecer aquela ideia e dispôs-se a sabotar a festa, dizendo que eles não iriam aparecer. Mas acabou por desistir de estar contra, pois o Brad deixou de o ouvir e o Rob nem sequer dava mostras de se interessar pela discussão. Acabou a falar para o vazio e acabou por aceitar que era uma guerra perdida. Continuava desconfiado e inquieto, mas também achava que seria pouco inteligente zangar-se com os irmãos por uma ninharia. No fim de contas, era só uma festa idiota de adolescentes.

Entreolhavam-se no átrio que continuava a ser o único lugar decente dentro de casa. As arcas, os baús e as malas permaneciam acumuladas no centro da sala, as outras divisões permaneciam em ruínas, sujas e com habitantes furtivos, como aranhas, ratos e insetos. Deixaram de ter tempo ou disposição para limpezas de que não iriam usufruir.

Conferiram que estavam apresentáveis para a festa. Dois vampiros e um feiticeiro. Na realidade iriam mostrar-se conforme eles eram, aquela era a sua verdadeira natureza, e essa provocação enchia Mike de uma certa presunção desdenhosa que lhe realçava os traços do rosto. Para disfarçar um pouco que aquele era o seu aspeto, tinham colado barbas postiças, no caso de Brad e de Rob, e pintado uma mancha enviesada escura que fazia as vezes de uma barba rala e persistente, no caso de Mike. Pareciam mais velhos e desleixados, mas os seus olhos continuavam honestos, ávidos e acutilantes.

Vestiram-se de preto. Mike foi recuperar a sua capa amada, que ele passara a levar para a escola apenas durante alguns dias, e a medalha da águia que pregara na lapela do casaco. Brad escolhera o seu fato especial, com golas engomadas, das reuniões oficiais com outras criaturas fantásticas. Rob usava a sua túnica mágica comprida, o seu chapéu pontiagudo também mágico, decorado com estrelas que se podiam mover, brilhar e piscar – embora Mike tivesse avisado que esse efeito não seria bem compreendido pelos outros convidados da festa e pediu-lhe que mantivesse o chapéu parado – e munia-se com o seu bordão que podia causar maiores distúrbios que um chapéu interativo.

Estavam apresentáveis, julgou Mike e pelo aceno de Brad e o sorriso discreto de Rob, eles achavam o mesmo.

– Prontos e bonitos! – anunciou Brad, cantarolando.

– A que horas temos de aparecer? – perguntou Mike.

– O Charles falou por volta das seis. Temos tempo, mas não queria chegar atrasado – respondeu Brad.

– Um feiticeiro nunca chega atrasado... – começou Rob.

– Já sabemos, já sabemos – atalhou Mike simulando um suspiro.

– Gostei da tua ideia – disse Brad e fez um esgar que lhe mostrou os dentes. – Vamos aparecer com a nossa dentição normal, com os caninos desenvolvidos.

– Hum... – fungou Mike, apreciando ainda mais todo o desdém que acumulava dentro de si. Apreciava aquele estado, a indiferença pontilhada com uma réstia de maldade, uma reminiscência de como ele era antes de conhecer o mordomo e de entrar para a mansão. Passou a língua pelos dentes. Apreciou o relevo pontiagudo dos caninos que se espetavam, ansiosos, por sorver líquido vital, quente e fresco. – Todos vão julgar que se trata de um adereço... vão elogiar-nos o cuidado com o detalhe... e, no fim, são dentes verdadeiros. Vai ser divertido!

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