XIX - A melhor defesa é o ataque

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Brad não contou logo sobre a ameaça do Charles Elliot, que tinha recebido na biblioteca enquanto estudava para o seu projeto de química. Achou-a despropositada e, acima de tudo, estúpida. Muito simplesmente ignorou-a por não lhe parecer que fizesse sentido.

O Charles Elliot era seu amigo. Era um rapaz simpático, popular entre os estudantes do Instituto por ser alguém genuinamente preocupado com os outros, generoso e pacífico. Nunca se metia em confusões e costumava ser conciliador. Era inconcebível que fosse associado ao Johnny e aos seus amigos, que tomasse o partido do valentão mais famoso da escola. Então, Brad achou que os avisos que recebera podiam ser descartados e descartou-os. Talvez não o devesse ter feito, como veio a comprovar naquele dia.

As aulas estavam a correr bem. Aborrecidas, mas a monotonia era bem acolhida, pois significava a normalidade que lhes estava vedada. Brad gostava de ver o sossego entediado da sala, as caras derretidas dos colegas, os suspiros que cada um suprimia com receio de irritar o professor de Biologia. Ele mantinha-se de cabeça baixa, a fingir que afinava pelo mesmo diapasão. Tentava parecer tão desalentado como os demais, mas por dentro ria-se alto e adorava fazer parte do grupo, imitando-lhes especialmente os defeitos. Era um privilégio ter defeitos, falhas, pedaços incompletos. As pessoas nem faziam ideia. Ter o mundo controlado e perfeitamente alinhado era um martírio que desgastava sem verdadeiramente corroer. Brad adorava esses pormenores que o tornavam mais humano, mais próximo dos outros.

Espreitava o Charles Elliot e via-o igual aos outros dias. Sem qualquer indício de que se tinha passado para o outro lado. Para o lado do Johnny. Também se mostrava distraído e com a expressão opaca de quem só está de corpo presente, de quem está a viajar com o espírito para outras paragens menos exigentes. Por isso, não se incomodara com o aviso na biblioteca. Fora, talvez, um descuido que não se iria repetir. O Johnny metera medo ao Elliot e o Elliot fora meter-lhe medo.

Mas, até ao fim da manhã, Brad iria descobrir que a sua análise estava incorreta.

O professor debitava matéria como se não houvesse amanhã. Não se calava, nem para beber um gole de água e humedecer a garganta. Passava páginas e páginas do manual, lendo os parágrafos importantes, dando a sua explicação e prosseguia sem se preocupar se alguém estava a tomar atenção ou a tirar apontamentos. Ao aproximar-se a hora do toque, consultou o relógio. Calou-se, fechou o livro. Assentou as mãos sobre a capa.

– Amanhã vamos ter um teste sobre a lição de hoje – anunciou.

Desfez imediatamente a apatia da sala. Os alunos espevitaram-se ao mesmo tempo, como se tivesse sido passada corrente elétrica nas respetivas cadeiras. Indignaram-se, iam avançar com um protesto, mas o professor fez um gesto com a mão e ninguém ousou desobedecer à ordem de silêncio.

– Amanhã vamos ter teste – repetiu. – Estudem. Vai contar para a nota final da disciplina no semestre.

A campainha soou. Agora estavam todos atordoados e zangados. Deixaram o professor arrumar as suas coisas, agarrar na pasta e sair primeiro da sala. Depois, alguém da fila da frente levantou-se e explodiu contra a injustiça de terem de estudar naquela noite, quando havia o projeto de ciências para adiantar e mais os trabalhos de casa das outras disciplinas. Outro alguém acrescentou que era um castigo por terem estado distraídos e outro completou que mais valia estudarem, fazerem o teste e não repetirem a atitude, ou o professor haveria de inventar um segundo teste surpresa.

Brad não quis entrar na discussão. Saiu calado da sala e procurou não se fazer notado. A algazarra prosseguiu nas suas costas. Continuava a fazer parte das falhas. No dia seguinte ele logo avaliaria a situação da turma e tentaria não tirar uma boa nota, se a maioria mostrasse que não tinha ligado nenhuma à ameaça do professor e resolvera não se preparar convenientemente para o teste. Ele gostava de se destacar, mas também precisava de um certo anonimato que o deixava mais tranquilo em relação à curiosidade dos outros.

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